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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Colonialismo verde e a dependência alimentar brasileira
Jean Pierre Leroy*










Segundo o Fórum Mundial de Soberania Alimentar de Cuba, em 2000, “a soberania alimentar é o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveisde produção, distribuição e consumo de alimentos quegarantam o direito à alimentação para toda a sua população,com base na pequena e média produção, respeitando aspróprias culturas e a diversidade dos modos camponeses,pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais as mulheres desempenham um papel fundamental”. Fica claro nessa definição como o modelo de produção e de consumo alimentares, que é parte integrante do modelo de desenvolvimento hegemônico, fica distante de um projeto de Soberania Alimentar. Com o desenvolvimento histórico do capitalismo industrial, ampliou-se o processo através do qual o modelo de desenvolvimento se sustenta pelo consumo da natureza (os recursos minerais e florestais, a biodiversidade, os solos, as águas, etc.) e pela exploração do trabalho humano. Este consumo, indiscriminado e praticamente gratuito, de natureza e do trabalho humano, é feito à custa da destruição e da exaustão do meio ambiente e de seus recursos naturais. E, conseqüentemente, à custa da possibilidade dos seres humanos – e, mais especificamente, aqueles dos setores sociais de menor renda, que são os mais diretamente afetados pela degradação do espaço – disporem deste ambiente e destes recursos que garantem o bemestar e um desenvo l v i m e n t o sustentável e democrático. O modelo dominante – ao qual contribuem as elites brasileiras que detêm historicamente o poder político e econômico – faz-se através do duplo movimento de opressão e sobreexploração de grande parte da humanidade e do meio natural. Surgem daí os conceitos de “dívida social” e de “dívida ecológica”.
Tomemos como exemplo de dívida social e ecológica que afeta a Soberania Alimentar a Revolução Verde. Ela aprofundou a dependência da agricultura às agroindústrias e ao mercado mundial, dominado pelos países do Norte, e expulsou a maioria do campesinato para as periferias urbanas.
Ao impor uma agricultura baseada na mecanização intensiva e pesada, no uso de produtos químicos (fertilizantes agrotóxicos) e sementes híbridas, esse modelo produziu e continua a produzir uma série de impactos: degradação do solo, poluição das águas, erosão genética, novas pragas. Esses impactos são particularmente sensíveis nos países tropicais, com solos mais frágeis, forte insolação e maior biodiversidade. Trata-se, assim, de um modelo de agricultura que, de um lado, projeta o Brasil como grande produtor e exportador e, do outro lado, empobrece nosso território, hipotecando o futuro e levando à ocupação indiscriminada de terras novas em prejuízo da manutençãodas nossas florestas e cerrados. Mais ainda, promove aexpulsão do campo e a extinção progressiva da agriculturafamiliar, por exigir concentração de terra, e afeta, em proporções insuspeitadas, a saúde dos trabalhadores e consumidores, especialmente a das mulheres e crianças. A imposição indiscriminada desse modelo, por causa desses impactos, exige reparo.
Países industriais, num momento em que se avoluma a crise climática, atribuem ao Brasil, graças a seu clima e sua extensão, uma grande importância como receptores de projetos no quadro do mercado de carbono, que lhes permitiriam continuar poluindo enquanto apoiariam aqui projetos com menor impacto ambiental, como produtores de agrocombustíveis e como produtores de matérias-primas e de commodities exigentes em consumo de natureza e de recursos naturais.Podemos chamar essa nova forma que toma a dependência e a subordinação brasileira à economia mundial de Colonialismo Verde. Com ele, não há dúvida que vai crescer a dívida social e ecológica da qual são credores, em primeiro lugar, os povos e populações que vivem na (e da) terra, e que se obstinam à luta pela Soberania Alimentar.


*Coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático (PBSD) da
FASE-Rio.

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