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quarta-feira, 22 de maio de 2019

Chico Buarque, pela crítica de Diogo Mainardi

Crítica do livro Benjamim, de Chico Buarque, por Diogo Mainardi.




Veja - 13/12/95


Chico Buarque é um orgulho nacional. Beijo-lhe os pés. É um grande sambista. Não obstante, permanece modesto. Adora futebol - informam-me, inclusive, que joga bem. Com suas canções, tornou-se símbolo de insubmissão à censura do regime militar. Descende da melhor linhagem de intelectuais do Brasil. Os livros de seu pai são imprescindíveis para compreender a formação do país. Uma imagem perfeita, a de Chico Buarque. Acrescida, nos últimos tempos, da enorme repercussão de sua incipiente carreira literária. Primeiro, Estorvo. Agora, Benjamim (Companhia das Letras; 165 páginas, 17 reais).

Não é fácil entender por que um homem tão bem sucedido em outros campos põe-se a escrever literatura. Certamente não pelo dinheiro, pois ganharia muito mais com um disco ou vendendo uma velha canção para a publicidade. Duvido também que o romance seja fruto de uma inspiração repentina, absolutamente impreterível. De fato, Benjamim baseia-se numa idéia simples, até mesmo simples demais, em que não se percebe a mão de uma musa benévola, mas apenas o esforço de um escritor disposto a preencher buracos. A minha sensação é de que Chico Buarque estava enjoado de sua imagem imaculada, adormecido numa vida sem riscos, sempre circundado por adoradores. Como um jogador enfadado que gira o tambor na roleta russa, ele decidiu escrever romances. Nada mais emocionante do que invadir o terreno desconhecido, sem medo de quebrar a cara.

Chico Buarque falhou, se essa era a sua intenção. Benjamim é tão comportado quanto ele. Não há perigo. Não há aventura. Não há nada que indique uma real motivação. O romance não ilumina. Ao mesmo tempo, não provoca danos. É um risco calculado, nem bom nem ruim. Roleta-russa com balas de festim. Apesar de despertar a inveja dos escritores profissionais, vendendo muito mais que todos eles juntos, Chico Buarque também não terá a emoção de ser atacado em público, por causa da habitual abjeção dos resenhistas da imprensa. Ele cometeu a ousadia de escrever um romance, mas a sua imaginação é tão avessa a ousadias que o resultado é imperceptível. Li ontem. Hoje, já não consigo lembrar de quase nada, a não ser um certo sentimento de vácuo.

Benjamim é o nome do protagonista do livro, um velho modelo fotográfico agora desempregado. Nas primeiras linhas do romance, ele é fuzilado. Um instante antes de morrer, a sua vida passa-lhe diante dos olhos. Literalmente: "sua existência projetou-se do início ao fim, tal qual um filme". O leitor torce para que Chico Buarque não insista numa metáfora tão elementar, mas não há esperança, pois o romance não passa disso, o relato filmado de todos os episódios que levaram Benjamim até seu trágico destino. A história é mais ou menos a seguinte. Benjamim imagina reconhecer na jovem Ariela Masé a filha de sua antiga amada, Castana Beatriz, assassinada durante a ditadura militar. Involuntariamente, fora o próprio Benjamim a indicar o esconderijo de Castana Beatriz às forças da repressão. O sentimento de culpa destruíra sua vida. Agora ele tenta redimir-se com Ariela Masé, a suposta filha de sua amada.

O principal recurso narrativo de Chico Buarque é encher a trama de ambigüidades. Ariela Masé pode ser a filha legítima de Castana Beatriz. Assim como pode não ser. Benjamim segue Ariela Masé até o sobrado verde-musgo em que Castana Beatriz foi assassinada. Mas pode tratar-se de mera alucinação. Nunca se sabe o que é alucinação e o que não é. Os personagens do romance parecem tornar-se confusos apenas quando é necessário criar mistério em torno de alguma situação. 

A idéia de transferir o ponto de vista de um personagem ao outro também confere um forte artificialismo à história. Em certos momentos, Chico Buarque segue os meandros da fantasia de Benjamim. Em outros, passa para Ariela. Em outros, para Aliandro Esgarte [sic], um marginal com direito a camisa aberta, corrente com medalhão no pescoço e amuletos no bolso. Considerando que estamos assistindo à reconstrução da vida de Benjamim, parece-me estranho que a ação perambule pelos diversos personagens. Pode ser que eu não tenha entendido alguma passagem. Pode ser que o livro possua uma mensagem secreta que não consegui absorver.

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