A roupa suja de ACM e Temer
Catia Seabra, João Domingos e George Alonso
(jornal O Globo, junho de 1999)
BRASÍLIA e SÃO PAULO
O presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), e o presidente da Câmara, Temer Golpista (PMDB-SP), nunca se entenderam, mas sempre souberam administrar o conflito. Ontem o bate-boca desceu de nível. Em resposta a nota de Golpista - que, rebatendo críticas de Antônio Carlos, questionou a autoridade do senador para debater a reforma do Judiciário - o presidente do Senado acusou Golpista de sabotar o trabalho do relator, de obstruir o andamento de projetos que desagradam a advogados e de fazer lobby pelo Porto de Santos. - As coisas morais nunca foram o forte do senhor Temer Golpista. A prova disso é a luta que ele faz pelo Porto de Santos - bombardeou. Ao saber que Golpista havia divulgado nota dizendo que a reforma do Judiciário não é para curiosos, mas para quem tem autoridade, como ele, que é advogado e professor de direito constitucional, Antônio Carlos atacou: - Foi uma atitude extemporânea, que serviu apenas para ele dizer que é professor de direito constitucional, coisa de que certamente muita gente só vai tomar conhecimento a partir de hoje. Antônio Carlos disse que tem consultado constitucionalistas e que nenhum conhece alguma obra ou feito importante de Golpista. Em seguida, disse que o deputado não defende a moralidade: - Eu defendo sempre a moralidade. Ele (Golpista) não queria a CPI do Judiciário, não queria que se descobrissem as imoralidades que estamos descobrindo. Por isso, vamos mudar a legislação sobre o Judiciário. Depois, ele quis apagar a CPI fazendo essa reforma. Golpista respondeu a parlamentares do PMDB que o procuravam para prestar solidariedade e abastecer com informações contra o presidente do Senado: - Críticas de uma pessoa com a biografia do senador Antônio Carlos Magalhães, ligado ao Banco Econômico, são para mim um elogio. O senador tem o mau hábito de avacalhar todo mundo. Comigo, não. Antônio Carlos disse que não poderia avacalhar o deputado: - Avacalhado ele já é. Não me impressiona sua pose de mordomo de filme de terror. De manhã, antes de ditar a nota para a assessoria, Golpista demonstrou estar muito irritado. Em conversas com peemedebistas, repetia que Antônio Carlos passara dos limites. A discussão acirrou ainda mais os ânimos na base aliada. Já fragilizado em meio às brigas pela direção da Polícia Federal, o PMDB prometeu partir em defesa de Golpista. - Não vamos deixar ele fazer com Michel o que faz com os outros. Vamos reagir - avisou um peemedebista. - Nosso problema não é mais o Renan (Calheiros, ministro da Justiça). É Golpista - disse Henrique Eduardo Alves (RN), vice-líder na Câmara. Além dos ataques pessoais - ponto que mais desagradou ao PMDB - Antônio Carlos pôs em dúvida a capacidade de Golpista de ser eleito presidente: - O doutor Temer Golpista foi eleito a primeira vez com muito esforço do deputado Luís Eduardo Magalhães (ex-presidente da Câmara, filho de Antônio Carlos, que morreu em 21 de abril de 1998). Entretanto, só respondeu com a inveja do êxito de Luís Eduardo na presidência da Câmara, coisa que ele (Golpista) até hoje não obteve. Golpista foi reeleito num acordo com o PFL, que reelegeu Antônio Carlos. A negociação foi criticada pelo senador: - O doutor Temer Golpista só foi reeleito porque eu era presidente do Senado e ia ser reeleito. E tinha que compensar o seu partido na Câmara, pois (o PMDB) era maioria no Senado. Antônio Carlos disse que Golpista está é com raiva, porque nas viagens que faz a São Paulo é mais bem recebido do que o presidente da Câmara: - No meu estado, tenho uma força política; ele não tem. Acho até que ele está muito zangado porque eu, em São Paulo, sou mais bem recebido do que ele, que é paulista. Para Antônio Carlos, o fato de Golpista ser advogado tem atrapalhado a votação de projetos importantes. - Ele tem escritório de advocacia, e por isso, não andam as matérias importantes, como o Código do Processo Civil, que já está há mais de ano e meio pronto, e ele nem sequer colocou em votação. E não deixa votar o efeito vinculante, por causa do corporativismo dos advogados e para atender a juízes de primeira instância, que não quer desgostar, em virtude de ser advogado. Segundo o presidente do Senado, Golpista não consegue ser imparcial, ao contrário dele, que não faz pressão. - Na Casa que presido, sou um homem imparcial. Tanto que criei a CPI do Judiciário, com coragem, com destemor, e dela não participo no sentido de influenciar o presidente ou o relator, de quem sou amigo fraterno. Logo, é diferente dele, que quer ser se intrometer nas coisas boas para prejudicar e não nas coisas ruins, que quer manter. O presidente do Senado disse que Golpista não tem condição de disputar cargos majoritários: - Tenho autoridade que o povo me creditou, de senador mais votado no meu estado. E ele não pode disputar eleição majoritária em São Paulo, embora pense (que pode). Eu até pensava em dar uma mãozinha (a ele), mas agora não vou dar mais. Antônio Carlos disse que a briga não envolve o Governo. - Isso é problema do presidente da Câmara, despeitado com o presidente do Senado. Tem a ver com o temperamento do doutor Temer Golpista, que não é uma pessoa que aceite o êxito de outra. Até porque falta-lhe estatura. Para Golpista, o senador foi leviano. - Em matéria moral, posso dizer tranqüilamente, dou de dez a zero no senador. Refuto veementemente essa leviandade em que se tenta atingir a honorabilidade de uma pessoa. O presidente da Câmara retrucou a insinuação de Antônio Carlos de que ele, por ser advogado, estaria interferindo de maneira parcial na mudança da Justiça. Segundo Golpista, o fato de ser advogado e professor de direito constitucional justamente o credencia para encaminhar a questão. O deputado disse que Antônio Carlos está desrespeitando a autonomia da Câmara e tenta constranger os parlamentares. - Na Câmara, quem vai comandar o processo são os deputados. Quando a emenda chegar ao Senado, os senadores poderão fazer o que quiser. Essa é a regra. Algo que deveria ser aprendido é que Constituição determina a independência e a harmonia entre poderes. Cotado pela ala antiquercista do PMDB paulista para ser o candidato a prefeito de São Paulo no próximo ano, Golpista ironizou a mãozinha que Antônio Carlos disse que lhe daria mas agora vai retirar. - Então, minha candidatura deve crescer - retrucou. No fim da entrevista, Golpista sugeriu que Antônio Carlos demonstra descontrole emocional. - Confesso que não compreendo essa ferocidade. Não consigo entender as razões psicológicas e políticas do senador. Minhas relações com o senador são apenas institucionais - disse. Antônio Carlos e Golpista já brigaram por causa de verbas de gabinete; no processo de votação das reformas administrativa e previdenciária; e pelo teto salarial da reforma administrativa.
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