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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
Polinização, Abelhas-robô e a neutralidade da tecnologia
Polinização, Abelhas robôs e a neutralidade da
tecnologia
Pollination, robobees and the neutrality of technology
Denis Marcio Rodrigues Junior a,*
José Bento Souza Vasconcellos dos Santos a
Daniele Ornaghi Sant’Anna b
RESUMO: O colapso dos polinizadores, uma das muitas facetas das crises ambientais correntes, traz um
enorme desafio para a produção agrícola. Estudos apontam a correlação entre este problema e o uso
extensivo de agrotóxicos, mas outra possibilidade além de seu controle mais estrito pode ser apresentada
ao grande público como uma solução desta crise: o desenvolvimento de tecnologias de polinização
artificial. Este artigo procura, após estabelecer a seriedade desta crise e a fundamentar suas origens
antropogênicas a partir de relatórios e revisão bibliográfica, se utilizar de artigos de divulgação científica
como fontes primárias para problematizar o desenvolvimento tecnológico como não-neutro, nem
baseado puramente em critérios de eficiência, mas influenciado por fatores econômicos e sociais, bem
como reprodutor de ideologias.
Palavras-chave: Polinização; Agrotóxicos; Filosofia da tecnologia; Divulgação científica.
ABSTRACT: The collapse of pollinators, one of the many facets of current environmental crises, poses an
enormous challenge for agricultural production. Studies point out the correlation between this problem
and the extensive use of agrochemicals, but another possibility besides its stricter control can be
presented to the public as a solution to this crisis: the development of artificial pollination technologies.
This article seeks, after establishing the seriousness of this crisis and its anthropogenic origins through
reports and bibliographic review, to use science communication articles as primary sources to
problematize technological development as non-neutral, nor based purely on criteria of efficiency, but
influenced by economic and social factors and reproducing ideologies.
Keywords: Pollination; Agrochemicals; Technology philosophy; Science communication.
a Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedades, Universidade Federal
de Itajubá, Itajubá, MG, Brasil.
b Instituto de Recursos Naturais, Universidade Federal de Itajubá, Itajubá, MG, Brasil.
* Correspondência para/Correspondence to: Denis Marcio Rodrigues Junior. E-mail:
d2019100210@unifei.edu.br.
Recebido em/Received: 22/02/2021; Aprovado em/Approved: 24/05/2021.
Artigo publicado em acesso aberto sob licença CC BY 4.0 Internacional
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, e5608, maio 2021.
https://doi.org/10.18617/liinc.v17i1.5608
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INTRODUÇÃO
Em seu livro Capitalismo e Colapso Ambiental, Luiz Marques (2018) apresenta em
forma de dossiês diversas diferentes crises ambientais que convergem em direção ao
colapso. Os capítulos 8 e 9, entretanto, ocupam um lugar especial ao apresentarem
não uma crise ou tendência, mas uma verdadeira tragédia em ação neste momento:
trata-se do colapso da biodiversidade.
Entre as numerosas páginas apresentando dados quanto a diminuição consistente na
variedade de seres vivos em quase todos os filos, o trecho dedicado aos artrópodes
pode passar despercebido, mas talvez seja o mais catastrófico do livro, quando o autor
afirma que o declínio se estende aos polinizadores, responsáveis pela manutenção da
biodiversidade. Não se trata de um problema puramente humano, uma vez que essa
atividade é essencial para toda a cadeia alimentar, mas é inegável que nossa espécie
também se veria em uma situação precária.
A polinização realizada por insetos e outras espécies animais é essencial para a
produtividade das culturas alimentícias, além de contribuir na preservação de áreas
com vegetação nativa. O grupo de polinizadores mais abundante na agricultura são as
abelhas.
Entretanto, elas vêm desaparecendo de forma contínua nas últimas décadas em um
fenômeno chamado de Distúrbio do Colapso das Colônias (DCC) ou no original em
inglês Colony Collapse Disorder (CCD). Caracteriza-se pela morte de colônias inteiras de
abelhas, com o desaparecimento dos corpos, mas com uma rainha viva e abundância
de alimentos abandonados. Casos já são observados desde a década de 1990, mas a
partir de 2006 que passou a ser amplamente reportado e estudado, ganhando este
nome (USA 2017). Trata-se, portanto, de uma demanda urgente que inspirará
diferentes propostas de solução.
O presente trabalho procura analisar esse problema e certas propostas de solução,
problematizando-as a partir de discussões da crítica da tecnologia. Para tal, será
utilizado a metodologia de pesquisa bibliográfica e documental, com o uso de artigos
jornalísticos como fonte primária na terceira subseção. Nas demais, serão utilizados
relatórios, artigos científicos e referenciais teóricos, com discussão dos resultados na
quarta subseção, com o objetivo de problematizar o desenvolvimento tecnológico.
Seguir-se-á, portanto, a seguinte estrutura: na primeira parte, demonstra-se o papel
crucial da polinização para a alimentação e economia humana, com particular atenção
para o Brasil; Na segunda, a relação do desaparecimento das colônias com o uso de
agrotóxicos; Em seguida, fala-se sobre uma possível solução apresentada no âmbito
da inovação tecnológica, as polinizadoras robôs, como retratadas por artigos de jornais
e, finalmente, argumenta-se na quarta e última parte que esse tipo de solução não é
neutra, mas calcada em escolhas ideológicas.
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POLINIZAÇÃO
Polinização, polinizadores e produção de alimentos
Polinização é a transferência de grãos de pólen entre órgãos masculinos e femininos
das flores, um processo importante para a reprodução das plantas que resulta na
formação de frutos e sementes. A polinização é realizada tanto por animais como por
vento ou água. A maioria das plantas, cultivadas ou nativas, é polinizada por animais e
depende destes para sua reprodução (BPBES 2019). Existem outras formas de
polinização, a polinização realizada por animais é chamada polinização biótica,
enquanto a realizada pela ação da água ou do vento é denominada polinização
abiótica.
Polinização cruzada ou xenogamia ocorre quando os grãos de pólen de uma flor são
transportados para o estigma da flor de outra planta. Autopolinização ocorre quando
os grãos de pólen de uma flor são transportados para o estigma da mesma flor.
Geitonogamia ocorre quando os grãos de pólen de uma flor são transportados para o
estigma de outra flor na mesma planta (Raven et al. 2007). Nas comunidades tropicais,
94% das plantas são polinizadas por animais (Ollerton et al. 2006). Os animais
polinizadores são em sua maioria insetos, tais como abelhas, moscas, borboletas,
mariposas, vespas, besouros e tripes (insetos diminutos com 1 mm de comprimento ou
menos, de corpo delgado e asas franjadas), mas também há polinizadores
vertebrados, como aves, morcegos, mamíferos não voadores e lagartos.
As abelhas são o grupo de polinizadores mais abundante na agricultura, pois visitam
mais de 90% dos 107 principais cultivos agrícolas já estudados no mundo (Klein et al.
2007). A biodiversidade de abelhas no mundo todo é muito grande, são conhecidas
cerca de 20.000 espécies (ITIS 2018). Destas, a grande maioria tem hábitos solitários, e
cerca de 1000 espécies são sociais.
Considerando-se apenas as plantas cultivadas polinizadas por animais, 70% do total de
1.330 cultivos nas regiões tropicais produzem frutos e sementes em maior quantidade
e/ou com melhor qualidade quando polinizadas adequadamente (Roubik 2018).
Polinização como serviço ecossistêmico
A polinização é considerada um serviço ecossistêmico regulatório, de provisão e
cultural, sendo uma interação ecológica que fornece muitos benefícios aos seres
humanos. Estes incluem a manutenção e a variabilidade genética de populações de
plantas nativas que sustentam a biodiversidade e as funções ecossistêmicas (serviço
ecossistêmico regulatório), a garantia do fornecimento confiável e diversificado de
frutos, sementes, mel, entre outros (serviço ecossistêmico de provisão) e a promoção
de valores culturais relacionados ao conhecimento tradicional (serviço ecossistêmico
cultural) (Costanza et al. 2017).
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O potencial da polinização como serviço ecossistêmico pode ser ressaltado quando
associado à produção de alimentos. O valor das abelhas e demais polinizadores para a
manutenção da biodiversidade é incalculável. Muitos deles não foram ainda
identificados. Temos uma lacuna de informações grande em relação à biodiversidade
principalmente nas regiões tropicais do globo. Os dados existentes na literatura sobre
as espécies silvestres que atuam na polinização agrícola mostram que apenas 2% das
espécies de polinizadores são responsáveis por 80% dos serviços de polinização (Kleijn
et al. 2015).
Efeitos das mudanças climáticas
Vários estudos que preveem, com base nos cenários de mudança climática global,
como o nicho climático de abelhas brasileiras irão variar nos próximos 100 anos
mostram redução da área de distribuição potencial para um grande número de
espécies. Por exemplo, um estudo que avaliou alterações no nicho climático de 95
espécies de abelhas importantes para a produção agrícola no Brasil, revelou que
haverá declínio de polinizadores agrícolas em aproximadamente 90% dos municípios,
causado pelas variações climáticas (Giannini et al. 2017).
Efeitos do desmatamento
Todos os ecossistemas brasileiros estão sendo fortemente afetados pelo
desmatamento (WWF 2008). As mudanças no uso da terra, tanto para obras de
infraestrutura quanto de urbanização ou agricultura (incluindo o manejo florestal), não
só levam à perda de áreas naturais como também à fragmentação dos habitats
remanescentes. Inclusive as práticas agrícolas convencionais, pois não consideram a
preservação de áreas remanescentes de vegetação nativa e dos chamados, corredores
ecológicos. Todas essas mudanças reduzem a disponibilidade de alimentos e de locais
apropriados para a nidificação dos polinizadores (Biesmeijer 2006; Kremen et al. 2007).
As práticas agrícolas convencionais têm sido extremamente prejudiciais aos
polinizadores (Hagen et al. 2012), pois não consideram a preservação de
remanescentes de vegetação nativa e de corredores ecológicos, fazendo que
diminuam a quantidade e a variedade de alimentos alternativos e fontes de nidificação
para abelhas e polinizadores em geral (Alves dos Santos et al. 2014; Maués 2014).
Fatores econômicos dos serviços ecossistêmicos
A primeira valoração econômica global do serviço ecossistêmico da polinização
apontou o montante de US$ 70 bilhões/ano (Costanza et al. 1997). Mais recentemente,
esse serviço ecossistêmico foi avaliado em € 153 bilhões (Gallai et al. 2009). Esse
número foi atualizado no Relatório de Avaliação sobre Polinizadores, Polinização e
Produção de Alimentos da IPBES, sendo estimado entre US$ 235 bilhões e US$ 577
bilhões (IPBES 2016).
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No Brasil, em termos econômicos, a polinização representou R$ 43 bilhões em 2018
para o País (Giannini et al. 2019). Das 141 espécies de plantas cultivadas no Brasil – para
uso na alimentação humana, produção animal, biodiesel e fibras – aproximadamente
60% (85 espécies) dependem em certo grau da polinização animal. Levando-se em
conta a produção agrícola brasileira de 2012, estimou-se o valor econômico da
polinização para 44 culturas, que apresentam ganhos variados com a polinização
animal, em aproximadamente 30% da produção total de 45 bilhões de dólares (CGEE
2017). A soja responde por 60% deste valor, seguida pelo café (12%), laranja (5%) e maçã
(4%). Das 191 culturas agrícolas utilizadas para a produção de alimentos no País, 114
(60%) são visitadas por polinizadores. Para chegar a este valor, os pesquisadores
calcularam o produto da taxa de dependência de polinização pela produção anual
considerando 85 cultivos.
AMEAÇAS
Transgênicos e Insetos
Um importante estudo sobre o comportamento das plantas transgênicas, constatou
que as plantas geneticamente modificadas causam sérios danos aos outros seres vivos
do habitat. De acordo com Firbank et al. (2003), os estudos demonstraram que os
poderosos pesticidas que essas plantas tolerariam, causam significativos danos a fauna
e flora silvestre. O documento final é o resultado de uma série de 4 estudos realizados
em grande escala em 65 fazendas (Farm-Scale Evaluations – FSEs) com plantação de
colza - Brassica napus. A experiência apontou que os Organismos Geneticamente
Modificados causam graves danos às flores selvagens, borboletas, abelhas e,
provavelmente, às aves canoras afetando toda a cadeia alimentar e de reprodução da
biodiversidade natural.
Indústria dos Agrotóxicos e os polinizadores
De acordo com DiBartolomeis et al. (2019), a paisagem agrícola dos Estados Unidos da
América é atualmente 48 vezes mais tóxica para abelhas melíferas e outros insetos do
que há 25 anos, sobretudo pelo uso generalizado dos chamados pesticidas
neonicotinoides. Foram encontrados entre 61 e quase 99% da carga total de toxicidade
no ambiente pesquisado, representando uma potencial ameaça à saúde das abelhas e
outros polinizadores, contribuindo para o declínio nas populações benéficas de
insetos, aves insetívoras e outros consumidores de insetos.
Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO 2015) 64% dos alimentos
no Brasil são contaminados por agrotóxicos; 34.147 intoxicações por esses produtos
foram notificadas no Sistema Único de Saúde entre 2007 e 2014; 288% foi o percentual
de aumento do uso dos agrotóxicos no Brasil entre 2000 e 2012, segundo dado
publicado pelo IBGE, saltando de 2,7 quilos por hectare (kg/ha) em 2002 para 6,9 quilos
por hectare em 2012 (IBGE 2015). O faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil
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em 2014 foi de 12 bilhões de dólares. Essa realidade nos coloca na posição de maior
mercado mundial de agrotóxicos.
Em uma atualização, recente, o número de Agrotóxicos que tiveram seu uso
autorizado, teve um crescimento substancial, chegando a 847 novos produtos,
liberados até o mês de novembro de 2020 (Pública 2020). A agricultura brasileira usou
539,9 mil toneladas de pesticidas em 2017, segundo os dados mais recentes do
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama 2017). Isso representou um gasto de US$
8,8 bilhões (cerca de R$ 47 bilhões no câmbio atual) no mesmo período, de acordo com
a associação que representa os fabricantes a Associação Nacional de Defesa Vegetal
(Bombardi 2018).
Agrotóxicos Versus Abelhas
Na maioria dos ecossistemas mundiais, as abelhas são os principais agentes
polinizadores. Nas últimas décadas, o declínio de populações de abelhas tem
preocupado pesquisadores e apicultores/meliponicultores. Os especialistas têm
afirmado que esse declínio não pode ser associado a uma única causa e muito
provavelmente envolvem fatores convergentes. Um desses fatores tem sido o uso
intensivo de agrotóxicos na agricultura. Como visto no item anterior, o modelo atual
da agricultura brasileira é altamente baseado no uso desses insumos. [trecho cortado]
Durante o processo de avaliação e aprovação de um agrotóxico, são realizados
diversos testes para que tal insumo possa ser validado e sua comercialização e
utilização, chegue ao campo. Um destes testes é uma vertente da avaliação ambiental,
chamada de Avaliação de Risco (ARA) que começou a ser implantada de forma
sistemática somente a partir de 2010 e teve um maior desenvolvimento na parte de
abelhas porque nesse mesmo período vários países estavam revisando seus esquemas
de avaliação de risco para polinizadores, em virtude do aumento da preocupação com
as possíveis consequências dos efeitos subletais às abelhas (ARA 2017). O Ibama realiza
a Avaliação de Riscos Ambientais de agrotóxicos no Brasil com base no Decreto n°
4074/02. Isso tem sido feito desde meados de 2011, porém ainda se encontra em fase
de desenvolvimento para que possam ser analisados e chancelados pela comunidade
científica.
Assim, o Ibama vem desenvolvendo o esquema de avaliação de risco de agrotóxicos
para insetos polinizadores, considerando as características da agricultura brasileira, a
fim de implementá-lo como requisito obrigatório para o registro desses produtos. Em
19 de julho de 2012 foi publicado no Diário Oficial da União um comunicado dando início
formal ao processo de reavaliação de agrotóxicos por indícios de efeitos adversos em
abelhas (DOU 2012). Quatro ingredientes ativos foram então selecionados para
reavaliação: Imidacloprido, Tiametoxam, Clotianidina e Fipronil. A publicação do
pedido de reavaliação dessas substâncias foi motivada pela citação desses
ingredientes ativos em diversos artigos científicos, relacionando-os a efeitos adversos
em abelhas, ou pela ocorrência de mortalidade massiva de abelhas, tanto no Brasil
como em diversos países. Em 2017 o Ibama colocou em consulta pública uma proposta
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de instrução normativa que disciplinasse os procedimentos de avaliação de risco para
abelhas. Essa norma se constitui no primeiro regulamento sobre avaliação de risco
ambiental de agrotóxicos, e direcionada à proteção de abelhas. Foram propostos
como objetivos de proteção a serem alcançados com a avaliação de risco de
agrotóxicos para abelhas: a) proteger os insetos polinizadores e sua biodiversidade e
b) garantir os serviços ecossistêmicos fornecidos por eles, incluindo o serviço de
polinização, a produção de produtos da colônia (mel, própolis, cera etc.) e a provisão
de recursos genéticos (DOU 2017).
Dentre os 4 produtos acima citados, gostaríamos de exemplificar o uso do produto
denominado fipronil: um inseticida de amplo espectro que danifica o sistema nervoso
central do inseto ao bloquear a passagem de íons de cloro através dos receptores
GABA e dos canais de glutamato-cloro (GluCl), componentes do sistema nervoso
central, em estudos realizados, as abelhas sofreram alteração na atividade motora
após serem expostas por ingestão ou contato à DL50 e à DS do inseticida fipronil. A
atividade locomotora em insetos é regulada pela sinalização GABAergica que pode ser
bloqueada devido a ligação do fipronil ao neurotransmissor GABA (Narahashi et al.
2010). A exposição dos enxames ao fipronil e sua utilização pelas abelhas pode
prejudicar diversas atividades na colônia. A coleta de recursos pode ser prejudicada
devido a alterações na atividade motora de abelhas campeiras, que ao consumirem os
recursos contaminados apresentam maior letargia, além disso, alterações motoras
podem ser mais intensas em períodos de escassez de floradas, quando as abelhas são
expostas à DS de fipronil presente em alimentos contaminados, devido às repetidas
exposições ao inseticida. (Zaluski 2017). A fórmula deste produto foi adquirida em 2005
pela indústria Basf Aktiengesellschaft, a aquisição incluiu todos os ativos do inseticida,
e as formulações derivadas de sua composição básica, e envolveu investimento de € 1
bilhão. A operação com o Fipronil no Brasil custou US$ 2,6 milhões (Castro 2005). A
BASF é a maior empresa da indústria química mundial, com um volume de vendas de €
62,7 bilhões em 2018, empregando 115 mil trabalhadores, nas mais de 390 unidades de
produção, em mais de 80 países, sendo que 12 destas unidades estão localizadas no
Brasil (BASF 2019). Essa substância foi proibida em países como Vietnã, Uruguai e África
do Sul, após pesquisas comprovarem que ela é letal para as abelhas.
ABELHAS-ROBÔS
Dessa forma, considerando a importância do uso desses agrotóxicos para a indústria
agropecuarista, particularmente poderosa em países como o Brasil em que a economia
depende dela, outras soluções mais atraentes ao mercado são buscadas, no caso a
polinização artificial. Já praticada há algumas décadas manualmente em casos muito
específicos, ela é inviável na escala de produção necessária para manutenção do
mercado agrícola, o que leva a busca de soluções mecânicas a partir do
desenvolvimento de novas tecnologias.
O primeiro estudo divulgado sobre abelhas-robôs foi desenvolvido em Harvard em
parceria com o instituto Wyss e não tinha como objetivo inicial a resolução do
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problema das polinizadoras, entretanto ao analisarmos sua caracterização através de
notícias, fica claro que o foco muda para esta meta, ao menos na forma como é
apresentado para o público. Casos mais recentes, entretanto, deixam claro suas
intenções de resolver a crise do DCC. No trecho seguinte deste artigo, serão descritas
reportagens de jornal ou comunicados de imprensa a respeito de diferentes modelos
de abelhas robôs, procurando descrever como os projetos são divulgados pela mídia e
por seus desenvolvedores.
RoboBee
O Wyss Institute for Biologically Engineering é uma instituição dentro da Universidade
de Harvard para desenvolvimento de novas tecnologias baseadas em formas de design
encontradas na biologia. Ela se inspira na natureza e procura emular princípios
biológicos de construção, organização e regulação para propor soluções tecnológicas
para problemas diversos, bem como produtos comercializáveis (Wyss 2019). É dentro
dessa instituição que está sendo desenvolvida a RoboBee.
De acordo com um de seus pesquisadores, o professor de engenharia e ciências
aplicadas Robert J. Wood, o projeto está em desenvolvimento desde 2001, com
informações ocasionais ao longo dos anos, mas é em 2 de maio de 2013 que ele é
divulgado oficialmente através de um comunicado de imprensa (Perry 2013). Na
matéria escrita por Caroline Perry, então coordenadora de notícias e divulgação
pública da Harvard School of Engineering and Applied Sciences, o desenvolvimento do
projeto é apresentado como um sucesso, como a culminação de uma década de
trabalho duro e superação de dificuldades técnicas, já que agora os pequenos insetos
robôs alcançaram o voo controlado, sendo capazes de decolar, planar e se mover no
ar. Diversas aplicações úteis são apresentadas como possíveis no futuro:
monitoramento ambiental, operação de busca e resgate e, dentro de nosso particular
interesse, assistência com polinização, mas os cientistas têm expectativas ainda mais
ambiciosas. O artigo deixa claro o ânimo e esperança dos envolvidos: esse é apenas um
passo na jornada mais ampla, até porque, apesar do sucesso do voo, essa tecnologia é
ainda bem limitada neste momento, já que o robô só funciona conectado por um cabo
a uma fonte de energia e de comandos.
Como se vê, a polinização de culturas agrícolas não é apresentada como um objetivo
central do projeto neste artigo de divulgação oficial: as aplicações práticas são
apresentadas apenas de passagem. Entretanto, um artigo da revista Business Insider
publicado pouco mais de um ano depois, já inicia falando sobre a crise da população
das abelhas, deixando claro que essa é a principal demanda que corresponde
diretamente à solução apresentada pelas RoboBees (Spector 2014). Eles admitem a
possibilidade de robôs substituírem os insetos no rumo da extinção, afirmando que
“não existe solução perfeita, mas que a tecnologia moderna oferece esperança”.
Kevin Ma, um pesquisador de Harvard envolvido no projeto, afirma para a jornalista
Dina Spector que, a despeito das dificuldades encontradas, estão prestes a fazer um
grande avanço e que vê possibilidade dessas abelhas mecânicas serem capazes de
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polinizar um campo em cerca dez anos, mas primeiro precisam fazê-las capazes de se
mover em grandes números. O entrevistado não vê as abelhas como uma solução
definitiva para o DCC, mas uma ajuda temporária até resolver o problema. Embora não
assuma um caráter final, a relação aqui já é direta e clara: as RoboBees são
apresentadas como uma demanda para manutenção da alimentação humana.
Em maio de 2016, o Wyss Institute lança um novo comunicado de imprensa em relação
às RoboBees (Wyss 2016). Inicia apresentando uma das dificuldades encontradas: para
a maioria de suas aplicações práticas os drones necessitam permanecer no ar por
longos períodos e, devido ao seu tamanho diminuto, eles não são capazes de
armazenar energia suficiente. Mais uma vez, os cientistas buscam inspiração na
biologia, observando que diversos animais param para descansar se empoleirando e
aplicam o princípio através da adesão eletrostática. Nesta atualização, acrescentam
um eletrodo e uma espuma que absorve energia estática aumentando ligeiramente o
peso do objeto, ainda semelhante ao de uma abelha. Neste momento, o drone só pode
se fixar em tetos e saliências, já que o acréscimo está instalado em seu topo, mas
intentem fazê-lo mais versátil. A maior limitação continua sendo a continuidade do seu
controle e alimentação por cabos externos.
Em nenhum momento do artigo as possíveis aplicações práticas do projeto são
apresentadas, apenas aludidas como a motivação das alterações. Já uma matéria do
World Economic Forum publicada pouco depois e que reporta esses novos
desenvolvimentos tem como manchete “These RoboBees could pollinate crops and
save disaster victims” (Soffel 2016). Como a matéria do Business Insider, faz
imediatamente a conexão com a crise do DCC e sua consequência para o suprimento
de alimentos globalmente. Outra matéria, do site de variedades The Verge, faz novas
estimativas – dois anos em laboratório e de cinco a dez antes dos RoboBees poderem
ser usados em aplicações práticas – e foca na ciência por trás da descoberta,
apresentando as limitações energéticas dos robôs e afirmando, a partir das palavras
do especialista em robótica Mirko Kovac, que se os desenvolvedores pudessem
incorporar alguma forma de energia sustentável nos robôs, como painéis solares, esses
problemas poderiam ser resolvidos (Vincent 2016).
Em 2019, essa dificuldade é superada e, em um novo comunicado de imprensa, o Wyss
Institute avisa que o RoboBee fez o primeiro voo sem estar conectado por fios e com
minúsculos painéis solares anexados, ainda que estes ainda estejam longe da eficiência
necessária para realmente utilizar a luz do sol (Wyss 2019). Para possibilitar isso, o
drone teve de passar por grandes alterações de design, com mudança no número de
asas, de formato e tamanho, passando a pesar mais do que o dobro das versões
anteriores. Destacando a dificuldade técnica de voos em escala tão pequena,
novamente o artigo não menciona quaisquer utilidades práticas do objeto.
Outros projetos: foco na polinização
O objeto tecnológico tratado no último trecho merece destaque ao ser o primeiro e
mais abertamente divulgado projeto de insetos robôs. Entretanto, recentemente
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outros semelhantes têm aparecido na mídia, apresentando um discurso mais
claramente focado nas demandas causadas pelo declínio das populações de abelhas.
Um artigo de março de 2017 apresenta o projeto de um time japonês (Ponti 2017). Ele
parte da descoberta de um gel adesivo, que havia falhado quanto à utilidade para a
qual tinha sido inicialmente criado, mas que por suas propriedades duradouras é
reavaliado como útil para a polinização artificial. Eles se utilizam de pelo de cavalo para
carregar mais eficientemente o pólen e de drones comerciais, que devem ser
controlados por uma pessoa. Devido a essa limitação, que inviabiliza seu uso, o artigo
não demonstra o mesmo otimismo do anterior, entrevistando, além do cientista
responsável pela criação do gel Eijiro Miyako, entomologistas que se mostram céticos
quanto ao sucesso da empreitada. Marla Spivak aponta o número de acres de florestas
só na Califórnia e as centenas de milhões de abelhas que são necessárias para polinizálas, questionando a viabilidade do número de robôs necessários. Afirma também,
conforme já mencionado neste trabalho, que há mais de 20 mil espécies diferentes de
abelhas, muitas das quais são especializadas em polinizar plantas específicas. Outro
entomologista, Quinn McFrederick, não acredita que a empreitada é impossível, mas
vê muito mais sentido em proteger os polinizadores naturais do que desenvolver uma
nova tecnologia. Embora reconheça a validade dessa crítica, Miyako diz que seu
objetivo para os drones não é substituir as abelhas, mas como um aliado potencial
tendo em vista a diminuição das espécies.
Um ano depois, em março de 2018, é amplamente reportado que o Walmart, uma das
maiores companhias dos EUA, registra patentes de insetos robô (CBINSIGHTS 2018).
São seis patentes de uma série de drones que teriam como função facilitar a produção
agrícola, identificar pestes atacando as plantações, monitorar danos ao cultivo,
espalhar pesticidas de maneira controlada e polinizar as plantas. A plataforma CB
Insights, a primeira a noticiar as patentes, afirma que investir em alta tecnologia para
aumentar seus lucros já é uma tendência da corporação. Com esses objetos em
particular, ela estaria apontando para um interesse em produzir seus próprios
produtos agrícolas, economizando ao integrar verticalmente sua cadeia de suprimento
de alimentos, aumentando seu controle sobre a qualidade e eficiência desses produtos
e colocando ênfase em transparência e sustentabilidade para atrair compradores.
Outro artigo, da Business Insider, discorre sobre a crise do DCC e apresenta o projeto
das RoboBees de Harvard como uma possível solução direta e intencional para esse
problema (Garfield 2018). Sua evolução é apresentada, bem como suas limitações: elas
ainda não podem voar sozinhas, mas precisam ser conectadas por cabos (o artigo é de
2018, antes do voo autônomo). Já os robôs polinizadores do Walmart, de acordo com
as patentes, seriam capazes de voar sozinhos e detectar pólen, mas maiores detalhes
não são dados.
Alguns meses depois, o jornal The Guardian publica uma reportagem sobre um time de
cientistas da Universidade Tecnológica de Delft, na Holanda, que tenta desenvolver
seus próprios drones, chamado de DelFly, para cumprir o papel de polinizadoras
deixado pelas abelhas ameaçadas de extinção (Boffey 2018). De acordo com o artigo,
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, e5608, maio 2021.
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modelos anteriores, como o de Harvard, são úteis, mas muito frágeis e inábeis de
navegar ao redor uns dos outros, enquanto estes podem flutuar, voar em qualquer
direção e girar 360º. O pesquisador do projeto Matěj Karásek afirma ser “uma possível
solução de longo prazo”, já que a tecnologia ainda possui sérias limitações: seu
protótipo é muito grande, com 33 centímetros de envergadura e 29 gramas, 55 vezes
maior do que uma mosca, além de se manter no ar por no máximo seis minutos. Ele
acredita, entretanto, que em de cinco a dez anos poderá existir tecnologia para fazêlos muito menores e mais eficientes energeticamente.
A NEUTRALIDADE DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
A partir da forma como o desenvolvimento dessa tecnologia foi representada nos
canais de mídia, podemos fazer algumas observações. Nos comunicados de imprensa
oficiais lançados pelos pesquisadores responsáveis pelas RoboBees apenas no
primeiro deles, ao apresentar o projeto, algumas aplicações práticas são mencionadas
de passagem. Nos seguintes, concentra-se completamente no progresso do artefato,
sem atenção a sua relação com a sociedade em termos de demanda ou aplicação. Já
nos artigos retirados de periódicos voltados ao público geral, o enfoque é claramente
no que essas tecnologias podem fazer para a manutenção da alimentação humana,
ameaçada pelo declínio no número de abelhas. Alguns apresentam ceticismo quanto à
possibilidade desses drones assumirem a função das abelhas, mas não se questiona o
desenvolvimento da tecnologia em si, o esforço honesto dos cientistas sempre
separados do contexto mais amplo.
Nosso objeto de estudo, portanto, nos convida a pensar a construção do artefato
como não-neutro: o que faz algo tão complicado como RoboBees – com todas suas
limitações apresentadas em todas as versões e com o tamanho da demanda que é a
polinização das plantações – parecer uma opção viável? Essa ideia é alimentada e
alimenta alguns mitos associados ao desenvolvimento tecnológico:
Mito do Capitalismo Fênix
Para Renato Dagnino (Dagnino 2011) a Ciência & Tecnologia hoje está dentro da lógica
do capitalismo. Ao contrário de como normalmente representada, ela não assume sua
forma atual devido a uma racionalidade teleológica, por ser mais eficiente, melhor do
que qualquer outra, mas por razões históricas que colocam seu desenvolvimento nas
mãos de um pequeno número de pessoas. Para ele, a tecnologia como a conhecemos
deveria ser acompanhada pelo adjetivo “capitalista”. Podemos estender essa noção
até para algo aparentemente inócuo como robôs polinizadores.
Como apresentado na parte 2, as evidências que conectam o desaparecimento das
abelhas ao uso de agrotóxicos amontoam-se, envolvendo na trama atores políticos
poderosos nos donos do agronegócio e legisladores conectados a estes. Atacar a causa
e controlar mais severamente o uso desses produtos é uma possível estratégia para
combater o problema que vem sendo utilizada em diversos países, entretanto ela
Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, e5608, maio 2021.
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implica em uma diminuição da produtividade e, consequentemente, do lucro do setor.
Dessa forma, qualquer alternativa ou possibilidade ganha maior consideração, seja o
negacionismo, seja a crença ingênua na capacidade infinita da tecnologia para resolver
todos os problemas e manter o sistema vigente.
De acordo com Luiz Marques (Marques 2018), o sistema capitalista não foi feito para
um mundo finito: ele é fundamentado sobre a ideia de crescimento e de lucros
eternamente enquanto os recursos naturais têm limites duros e insuperáveis. Seus
defensores batem em duas teclas que resolveriam esse aparente paradoxo: a inovação
tecnológica e a adaptabilidade do sistema. Elas se baseiam em exemplos históricos das
resoluções de suas crises anteriores, através do aumento da eficiência dos processos
através do aperfeiçoamento tecnológico e dos ajustes macroeconômicos que
permitiram a manutenção do sistema. Para o autor, o limite da biosfera não pode ser
superado, entretanto, e um colapso ambiental é a maior ameaça que o capitalismo já
enfrentou.
A ideia do capitalismo como uma mitológica fênix, sempre ressurgindo das cinzas após
cada crise, continua sendo hegemônica em diversos círculos. De fato, muitos creem
que a sua nova forma é o capitalismo sustentável, com a substituição dos modos
tradicionais de energia que liberam carbono por energia “limpa” e “renovável”, sem
perda nos gastos, uso da reciclagem e de produtos verdes como uma forma de aquecer
o mercado e gerar uma nova onda de prosperidade, lucros e empregos. A confiança no
progresso tecnológico é essencial aqui: só através dele se resolvem as múltiplas crises
causadas pelo contínuo abuso da natureza. Por exemplo, ao invés de provocar a
diminuição dos lucros e potencialmente até uma crise econômica ao controlar mais
seriamente o uso dos agrotóxicos, a questão é resolvida simplesmente substituindo as
polinizadoras naturais pelas mecânicas.
Mito do progresso inevitável e linear da tecnologia
Essa ilusão é, portanto, baseada em outra: na visão hegemônica de que a tecnologia é
desenvolvida de forma cumulativa e progressiva, sempre passando de uma versão
anterior, pior e menos eficiente, para uma mais avançada e melhor. Dagnino explicita
a relação entre os dois primeiros mitos ao apresentar as classificações tradicionais da
tecnologia – alta, de ponta – como manifestações de relações assimétricas de poder
entre países centrais e países periféricos que favorecem aos primeiros. Para ele, a
própria representação do processo de desenvolvimento da tecnologia como
progresso etapista reproduz o que chama de tecnociência capitalista.
Essa abordagem está presente nos estudos da inovação e na maioria dos estudos em
história da tecnologia. Bruun e Hukkinen (2013) identificam no economista austríaco
Joseph Schumpeter um pensador fundamental para a teoria da Economia
Evolucionista, que coloca importância crucial na tecnologia, nas inovações ou novos
produtos, para o desenvolvimento econômico. Já Pinch e Bijker (2013) apontam que
estudos mais recentes em sociologia e história da tecnologia continuam a apresentam
o mesmo modelo linear de tecnologia: da “ciência pura” a aplicada e daí ao
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desenvolvimento tecnológico e de produtos, a produção e utilização. Esse modelo
parece lógico, mas segundo os autores gera uma série de distorções como a assimetria
de considerar apenas os produtos bem-sucedidos ignorando completamente os
demais. Uma variedade de artefatos, desenvolvidos independente e simultaneamente,
são descritos como uma continuidade racional e progressiva.
Nas notícias apresentadas essa visão hegemônica fica clara: há sempre limitações nas
tecnologias disponíveis, mas elas são sempre superáveis, são sempre uma questão de
tempo. Faz parte do discurso da maioria dos cientistas entrevistados nos artigos
apresentar prazos para o próximo avanço, a versão mais avançada do artefato em que
estão trabalhando, o que passa por confiar não apenas em sua própria equipe e
laboratório, mas na tecnociência como um todo.
Mito da neutralidade da ciência
Essa desconexão entre o fim do otimismo quanto ao avanço da sociedade no pósguerra e o avanço dos desenvolvimentos técnicos e científicos, está calcada na ideia
hegemônica da separação entre estas duas esferas - a política e a ciência - como
mundos diferentes. Bruno Latour questiona no livro Cogitamus (Latour 2016) a divisão
radical entre história política e história da ciência. Ele usa o exemplo de Arquimedes,
onde os “dois mundos” distintos estão intrinsecamente interligados na narrativa
quando o rei usa as ideias do sábio para defender a cidade, mas ao final do relato o
escritor Plutarco as separa novamente, afirmando que o pensamento enlevado do
cientista estava acima das coisas terrenas. Para Latour, essa separação incongruente
permaneceria uma constante na filosofia da ciência.
A ideia da autonomia da ciência até hoje persiste no discurso sobre o desenvolvimento
científico e tecnológico. Para Silva e Costa (Silva; Costa 2014) a tecnologia se torna cada
vez mais um tema da sociologia ao longo do século XX, tanto em suas origens como
consequências. Ela se torna um tópico na agenda dos governos e no debate público,
como fica evidente nas publicações estudadas: as abelhas-robôs são uma questão de
interesse público. Ainda assim, os “dois mundos” permanecem distintos e o que é feito
nos laboratórios é visto como neutro.
Já Feenberg aponta as diferentes perspectivas quanto à tecnologia em sua relação
com a sociedade (Feenberg 2013). No século XIX, o determinismo é a visão
hegemônica, onde o progresso é inevitável conforme já apresentado. No pós-guerra
entretanto, o instrumentalismo ganha espaço: o otimismo já não é tão dominante e o
artefato tem potencial tanto de conduzir a humanidade a um patamar mais alto como
a destruí-la completamente, entretanto isso não diz muito a respeito da ciência e da
tecnologia em si, que permanecem neutros. São os humanos, em seu mundo social e
político, que determinam o que é feito delas, mas o seu desenvolvimento permanece
dado pela eficiência e pelo progresso. O autor (ibidem) propõe em vez de a Teoria
Crítica da Tecnologia, que abandona, de forma semelhante a Latour, a divisão radical
entre os “dois mundos”: o que conduz a construção de novas tecnologias não é a
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eficiência, o que é o mais avançado, mas estruturas políticas e sociais que estão
intrinsecamente conectadas.
Isso também vale para algo aparentemente tão benigno quanto abelhas robôs, cuja
função seria facilitar a polinização dos campos, garantindo a alimentação de milhões
de pessoas? As estruturas de pesquisa nesse caso só parecem estar fazendo o seu
melhor para resolver uma demanda de grandíssima importância: ninguém perde caso
as Robobees sejam um sucesso. Cientistas de Harvard, por exemplo, não têm nada a
ver com uso de agrotóxicos e provavelmente são contra e assinariam um abaixoassinado para acabar com seu uso excessivo, mas isso não significa que o trabalho que
façam seja neutro: no desenvolvimento desse artefato tecnológico, eles perpetuam os
mitos descritos acima através do seu discurso, não refletem sobre interesses políticos
e econômicos por trás dos seus financiadores (não só a Walmart, mas também ela),
oferecendo assim uma saída “fácil” para o mercado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desaparecimento das abelhas se tornou um problema tão evidente que ele vazou
para a cultura popular, aparecendo na famosa série de ficção científica Black Mirror.
No terceiro episódio de sua terceira temporada, “Hated by the nation”, drones
semelhantes ao conceito apresentado neste trabalho realizam a maior parte da
polinização no Reino Unido após a extinção de suas abelhas. Na série não se admite a
relação com agrotóxicos e o DCC é apresentado como um mistério, bem como a
tecnologia funciona perfeitamente cumprindo seu papel, até o momento que as
abelhas são usadas por um hacker como armas de assassinato em massa. A visão
utilitarista fica clara na narrativa: as tecnologias são capazes de coisas horríveis, mas
apenas na medida em que os humanos que as controlam são horríveis.
As limitações do projeto ficam claros em todas as notícias, evidenciando o otimismo
necessário para o trabalho científico, mas isso não quer dizer que seja impossível que
os problemas sejam resolvidos e que afinal micro drones, capazes de substituir as
abelhas dando conta das demandas das polinizações e evitando uma crise alimentícia,
sejam desenvolvidos por mais que atualmente o projeto pareça mirabolante, digno de
ficção científica e irresponsavelmente otimista. Mas mesmo que isso acontecesse ele
ainda seria digno de crítica, assim como as abelhas mecânicas de Black Mirror, mesmo
que nenhum terrorista tomasse controle delas.
Podemos identificar dois problemas nesse tipo de solução para as crises que
enfrentamos atualmente. O primeiro se baseia no antropocentrismo, na postura
humana que tem a pretensão de controlar e dominar completamente a natureza.
Voltamos ao segundo mito apresentado: a mesma teleologia que aponta para o fim do
caminho utópico, onde a tecnologia libertará a humanidade de todos os seus
problemas, também aponta para um início, onde a ela foi designado o controle sobre
toda a criação. Luiz Marques (2018) afirma que grandes exemplos dessa insensatez
podem ser encontrados na bioengenharia e na geoengenharia, onde outras soluções
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mirabolantes para problemas complexos são apresentadas. Que espécies inteiras
continuem a serem extintas não importa, desde que consigamos resolver o problema
da nossa alimentação.
E enquanto os cientistas pensam e projetam duramente em suas torres de cristal, os
legisladores brasileiros liberaram mais de 400 novos agrotóxicos desde 2019.
Trombamos no segundo problema: não há mais tempo para otimismo. Esse descuido
com o meio ambiente e priorização irresponsável da economia é alimentado em parte
pelo negacionismo do atual governo que se recusa a enxergar as evidências do
colapso, mas também pelos mitos previamente expostos, pela crença que, se os
estudos estiverem corretos e a uso indiscriminado de agrotóxicos conduzir ao
extermínio das polinizadoras, não tem problema: a tecnociência dará um jeito de
resolver a crise.
FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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WYSS, 2016. "Using static electricity, RoboBees cling to surface". Wyss Institute.
[Acesso em 15 novembro 2019]. Disponível em: https://wyss.harvard.edu/news/usingstatic-electricity-robobees-cling-to-surface/
WYSS, 2019. "The RoboBee flies solo". Wyss Institute. [Acesso em 15 novembro 2019].
Disponível em: https://wyss.harvard.edu/news/the-robobee-flies-solo/
ZALUSKI, Rodrigo, 2014. Efeito do inseticida fipronil em abelhas africanizadas e na
expressão de gene relacionado ao sistema imunológico. Dissertação (Mestrado).
Universidade Estadual Paulista. Botucatu SP.
sábado, 9 de novembro de 2019
Negro Matapacos - Santo patrono das manifestações e dos cachorros de rua.
É um ícone dos protestos no Chile, o protagonista de um documentário e um produto de exportação, depois que sua figura apareceu nas evasões registradas no Metrô de Nova York, em protesto contra a violência racista por parte da polícia contra um estudante que não pagou sua passagem.
Certamente com essa descrição já sabe que se trata de um dos cãezinhos mais famosos do país, o “Negro Matapacos” que nestas semanas renasceu no inconsciente coletivo, devido à explosão social no Chile.
O cão ficou famoso em meio aos protestos estudantis, por atacar cada vez que havia um enfrentamento com os carabineiros e defender os manifestantes. Sua figura ficou retratada em um documentário que o mostrava passeando como mais um dos estudantes do Bairro República, Universidad Central, Universidad Utem e a Universidad Usach.
Na página do Facebook criada em sua homenagem ele é apresentado como um “revolucionário nato, pai de 32 filhos (reconhecidos) e marido de seis senhoras, amigo do povo e o pior pesadelo da polícia”, esse é o “Negro Matapacos”. https://www.facebook.com/negro.matapacos/
Estátua na Praça Itália
Por isso, assim que manifestantes derrubaram a estátua do general Manuel Baquedano desde o local da praça que leva seu nome, em um setor nevrálgico dos protestos, abriram uma página na plataforma Change.org¹ para conseguir as assinaturas necessárias para instalar nesse lugar uma figura em homenagem ao “Negro Matapacos”.
“Queremos uma estátua do cão “Negro Matapacos” em Baquedano, para que cada pessoa que passe por aí o veja e recorde este herói, além de converter-se em um ponto de reunião para todos”, diz a petição na plataforma.
É que o animal é um ícone para os moradores da capital e através do Twitter, em letreiros, em fotos, adesivos, e até em esculturas de papel machê sua figura esteve presente em todas as manifestações.É um ícone dos protestos no Chile, o protagonista de um documentário e um produto de exportação, depois que sua figura apareceu nas evasões registradas no Metrô de Nova York, em protesto contra a violência racista por parte da polícia contra um estudante que não pagou sua passagem.
Certamente com essa descrição já sabe que se trata de um dos cãezinhos mais famosos do país, o “Negro Matapacos” que nestas semanas renasceu no inconsciente coletivo, devido à explosão social no Chile.
O cão ficou famoso em meio aos protestos estudantis, por atacar cada vez que havia um enfrentamento com os carabineiros e defender os manifestantes. Sua figura ficou retratada em um documentário que o mostrava passeando como mais um dos estudantes do Bairro República, Universidad Central, Universidad Utem e a Universidad Usach.
Na página do Facebook criada em sua homenagem ele é apresentado como um “revolucionário nato, pai de 32 filhos (reconhecidos) e marido de seis senhoras, amigo do povo e o pior pesadelo da polícia”, esse é o “Negro Matapacos”.
Estátua na Praça Itália
Por isso, assim que manifestantes derrubaram a estátua do general Manuel Baquedano desde o local da praça que leva seu nome, em um setor nevrálgico dos protestos, abriram uma página na plataforma Change.org¹ para conseguir as assinaturas necessárias para instalar nesse lugar uma figura em homenagem ao “Negro Matapacos”.
“Queremos uma estátua do cão “Negro Matapacos” em Baquedano, para que cada pessoa que passe por aí o veja e recorde este herói, além de converter-se em um ponto de reunião para todos”, diz a petição na plataforma.
É que o animal é um ícone para os moradores da capital e através do Twitter, em letreiros, em fotos, adesivos, e até em esculturas de papel machê sua figura esteve presente em todas as manifestações.É um ícone dos protestos no Chile, o protagonista de um documentário e um produto de exportação, depois que sua figura apareceu nas evasões registradas no Metrô de Nova York, em protesto contra a violência racista por parte da polícia contra um estudante que não pagou sua passagem.
Certamente com essa descrição já sabe que se trata de um dos cãezinhos mais famosos do país, o “Negro Matapacos” que nestas semanas renasceu no inconsciente coletivo, devido à explosão social no Chile.
O cão ficou famoso em meio aos protestos estudantis, por atacar cada vez que havia um enfrentamento com os carabineiros e defender os manifestantes. Sua figura ficou retratada em um documentário que o mostrava passeando como mais um dos estudantes do Bairro República, Universidad Central, Universidad Utem e a Universidad Usach.
Na página do Facebook criada em sua homenagem ele é apresentado como um “revolucionário nato, pai de 32 filhos (reconhecidos) e marido de seis senhoras, amigo do povo e o pior pesadelo da polícia”, esse é o “Negro Matapacos”.
Estátua na Praça Itália
Por isso, assim que manifestantes derrubaram a estátua do general Manuel Baquedano desde o local da praça que leva seu nome, em um setor nevrálgico dos protestos, abriram uma página na plataforma Change.org¹ para conseguir as assinaturas necessárias para instalar nesse lugar uma figura em homenagem ao “Negro Matapacos”.
“Queremos uma estátua do cão “Negro Matapacos” em Baquedano, para que cada pessoa que passe por aí o veja e recorde este herói, além de converter-se em um ponto de reunião para todos”, diz a petição na plataforma. https://www.change.org/p/alessandrifelip-evelynmatthei-muni-provi-muni-stgo-estatua-del-negro-matapacos-en-baquedano?signed=true
É que o animal é um ícone para os moradores da capital e através do Twitter, em letreiros, em fotos, adesivos, e até em esculturas de papel machê sua figura esteve presente em todas as manifestações.
sexta-feira, 16 de agosto de 2019
Minha história com o CNPQ - por Igor Bione
Minha história com o CNPQ
Por Igor Bione
Biólogo, cientista fazendo mestrado em ecologia e evolução.
Por Igor Bione
Biólogo, cientista fazendo mestrado em ecologia e evolução.
Tudo começou em 2015 a partir de uma bolsa de IC, onde ajudei a otimizar/criar marcadores moleculares para diferentes plantas do Cerrado, como o Murici e o Barbatimão. Os marcadores moleculares possuem diversas finalidades, entre elas está a de dar suporte a ações de conservação e melhoramento genético.
(na foto sou eu apresentando alguns dos resultados da pesquisa no Congresso de Genética do Centro Oeste)
Entre 2016-2017, ainda na graduação eu mudei o foco da minha pesquisa, dessa vez ao invés de entender a estrutura genética do Barbatimão eu comecei a pesquisar o efeito das mudanças climáticas na sua distribuição. Essa pesquisa resultou em um artigo científico Em 2018 iniciei o mestrado, com bolsa financiada pelo CNPq, em Ecologia e Evolução, programa de excelência com nota máxima pela avaliação da CAPES. Na minha pesquisa eu continuei tratando do efeito das mudanças climáticas.
Meu tema de pesquisa principal é avaliar o efeito que as mudanças climáticas dos últimos 21 MIL anos desempenharam em um grande mamífero (o Bisão), procurando responder se ele conservou suas preferencias climáticas ou se adaptando.
Essa é minha história com o CNPq. Ele foi (e é) fundamental para centenas de pesquisas. O sucateamento do órgão é um atestado de que o Brasil tá doente, e trará consequências graves. Voltaremos a exportar cérebros e importar todo tipo de tecnologia
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