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quinta-feira, 18 de agosto de 2016





Aquela herança do Brasil colônia


por Pedro Doria


Portugal não foi uma boa metrópole. Não quer dizer que estaríamos melhor se os esforços de Nicolás de Villegagnon ou de Maurício de Nassau tivessem vingado. Teríamos outros problemas. De qualquer forma, Portugal, nos dois primeiros séculos, não viu o Brasil como parte de seu Estado. Viu o Brasil como uma imensa fábrica de açúcar. Espanha e Inglaterra não encararam suas colônias assim. Ambas fundaram cidades. Nestas cidades puseram de pé governos, nelas criaram universidades capazes de formar burocratas para administrar as coisas do Estado.

A primeira gráfica do Novo Mundo foi implementada no México em 1539, dez anos antes de o Brasil ganhar sua primeira capital. Em meados do século 17 já circulavam jornais lá e em Lima. Um século depois, circulavam também na Guatemala, no Chile, em Boston e na Filadélfia. A imprensa nas Américas Espanhola e Inglesa tem a mesma idade que a imprensa na Europa. São todos sinais da presença de uma classe média urbana pensante. E é justamente esta classe média urbana e pensante que os portugueses não desejavam ver. Temiam perder o controle.

(Por conta do ouro, Vila Rica acabou tornando-se, quase no tempo de dom João VI, uma cidade com classe média pensante forte. Deu na Inconfidência. Eram uns reacionários os portugueses. Mas eles tinham lá suas razões.)

Não quer dizer que o Brasil tenha sido mal gerido. A indústria canavieira foi inovadora, tanto do ponto de vista tecnológico quanto no de gestão. Jamais havia se empreendido uma indústria agrícola em larga escala como aquela. Mas história tem consequências. Para o Brasil, este método lusitano de gestão de impérios deixou três características muito fortes.

A primeira, evidentemente, é a incrível vocação nacional para a agroindústria. Somos particularmente eficientes e sabemos lidar com escala. Em segundo vem o incrível atraso na estrutura de educação pública brasileira.

Mas vale destacar a terceira característica. É que nossa elite original vem do campo, não da cidade. E, como não havia um Estado forte, o dono da fazenda, da Casa Grande, era quem mandava, quem fazia as regras. Houve caudilhos, grandes fazendeiros com poder semelhante, na América Espanhola. Mas isso ocorreu, principalmente, em locais distantes das grandes cidades. Simón Bolívar, a principal figura da independência da América do Sul, vem de uma longa linhagem de servidores públicos, de gestores a serviço do rei espanhol, embora nascidos na América. Também houve uma elite agrária na América Britânica. George Washington e Thomas Jefferson eram senhores de terra. Mas Benjamin Franklin era editor, John Adams, advogado, e Alexander Hamilton, comerciante. Faziam parte da elite urbana. Quando o Brasil se fez independente, essa elite urbana era rarefeita.

Não há uma grande revelação aqui. De formas distintas, a busca por compreender esta elite agrária está no centro dos estudos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Raymundo Faoro.

A grande questão é se esta elite está, enfim, para acabar.

Seu problema não é o fato de ter origem agrária. O problema é ter sido criada na ausência de um Estado forte. O problema é se perceber como o Estado. É não haver separação entre público e privado. Assim, quando o Brasil se fez independente, a elite política original não se percebia como servidora do Estado. Percebia-se como aquela a quem o Estado devia servir. Os donos do poder.

O problema, tampouco, é a corrupção. O desvio de dinheiro público, as propinas, têm menos impacto do que a má gestão pública. E a má gestão pública nasce do raciocínio de que o Estado serve ao político e não o contrário. Escolhe-se nomes para ministérios, gabinetes e gerência de estatais não por sua qualidade, mas pelos benefícios que podem trazer para quem os indica.

O professor Renato Janine Ribeiro, último ministro da Educação da presidente Dilma Rousseff, faz a seguinte leitura. De 1985 para cá, a democracia levou o Brasil a três ondas de aproximadamente dez anos cada. A primeira foi a da abertura política. A segunda, da estabilidade monetária. E, por fim, a da inclusão na classe média de mais da metade da população. Para ele, a quarta onda é a da melhoria na qualidade dos serviços públicos. Estas ondas não são planejadas por ninguém, elas vêm pela força da história, empurradas pelas mudanças que ocorrem na estrutura da sociedade. São consequência deste sistema que abraçamos apenas recentemente, a democracia, que funciona lentamente. Mas que funciona, e sempre, na direção constante de construir um país que sirva a seus cidadãos.

Se sua leitura estiver certa, esta é a onda que vivemos agora: a da melhoria dos serviços que o Estado concede ao cidadão. Para que o Estado se torne melhor, é preciso que morra antes o principal traço que herdamos do método português de gerir impérios.

Parece que está acontecendo. Mas não vem sem resistência.

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