As mulheres negras no dia 14 de maio de 1888 - Por Deise Benedito
Publicado em Terça, 14 Maio 2013
(Maria Lata
d'Água, uma fonte instalada na praça José B. de Macedo, com uma
reprodução da escultura de Erbo Stenzel)
Era um domingo de sol, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea que Aboliu a Escravidão no Brasil.
Quando a princesa chegou, a multidão, ansiosa, ficou em silêncio.
Pois bastou ela completar a assinatura, para ecoar uma explosão de bravos e aplausos.
A cidade nunca tinha visto festa igual! Famílias inteiras choravam de alegria. Inimigos da véspera abraçavam-se.
O dia 13 de maio de 1888 foi um marco na vida de milhares de homens e mulheres africanas e a população negra ainda escravizada.
Quando a princesa chegou, a multidão, ansiosa, ficou em silêncio.
Pois bastou ela completar a assinatura, para ecoar uma explosão de bravos e aplausos.
A cidade nunca tinha visto festa igual! Famílias inteiras choravam de alegria. Inimigos da véspera abraçavam-se.
O dia 13 de maio de 1888 foi um marco na vida de milhares de homens e mulheres africanas e a população negra ainda escravizada.
Machado de Assis

Por Deise Benedito*
Porém, na 2ª feira, dia 14 de Maio, iniciaria a mais
perversa trajetória de homens e mulheres, jovens e idosos negros no
Brasil, agora na condição de “ex-escravo”.
Muitos dos ex-senhores de escravos encontram-se ainda
inconformados com a lei que dava por extinta a escravidão em todo o
território nacional; pressionaram vários parlamentares para que a Lei
fosse então revogada. Em vários estados a segurança foi reforçada, por
temerem saques e vinganças contra os Senhores Escravocratas.
No âmbito jurídico – da transição da condição de
escravo a homem e mulher livre – nada os acolheu: nenhuma política no
campo da economia, educação, saúde, moradia; nenhum compromisso foi
firmado com essa população, agora livre.
Para mulheres negras jovens e idosas – agora na
condição de ex-escravas – está colocado mais um novo desafio: a sua
sobrevivência e a reconstrução de suas vidas, de seus filhos, maridos,
sobrinhos e netos. Agora livres, muitos não mais poderiam continuar nas
fazendas de seus senhores. Aquelas que já estavam nas ruas trabalhando
como ambulantes, agora deveriam ampliar suas atividades. Passariam a
também ser lavadeiras, engomadeiras, passadeiras, amas de leite, babas,
faxineiras, cozinheiras, confeiteiras, arrumadeiras, empregadas
domesticas. Muitas, em troca de um prato de comida, um local em
condições humilhantes e insalubres lhes garantiriam a sobrevivência,
muitas vezes longe de seus familiares.
Porém, a imagem da mulher negra é vista como de uma
ex-escrava cuja “dona de casa” lhe faz um favor quando que oferece
trabalho, em troca de casa e comida. E isso é visto, aos olhos de
muitos, como “proteção”, sendo que tal atitude permite que mandos e
abusos sejam infringidos contra essas mulheres no interior de várias
casas; tudo recebido com passividade.
Esta, quando jovem, é também vista como "bem de uso"
no mundo dos brancos, cuja corpulência é transformada em objeto sexual.
Quando possuidora de seios fartos, transforma-se em uma ama de leite e,
através da amamentação, garantiria herdeiros saudáveis dos futuros
presidentes, juízes, desembargadores, ministros, secretários de estado,
governadores, prefeitos do Brasil.
Através do devotamento, embalo, afeto à família para a
qual prestavam serviços, muitas vezes, por não terem hora para o
descanso foram impedidas de acompanhar o crescimento e a educação de
seus filhos, netos, sobrinhos.
A trajetória de algumas mulheres negras, já com idade
avançada e acometidas de várias doenças causadas pelas condições
desumanas de trabalho, pelas péssimas acomodações e pouca ou nenhuma
alimentação adequada, levaram-nas a mendigar junto às portas das
igrejas, na esperança de que a fé pública pudesse a elas abrandar o
sofrimento e o descaso por anos e anos de trabalho sem nenhuma
indenização.
Outro fator essencial para a sobrevivência
pós-abolição foi a religiosidade que modelou a cultura brasileira.
Muitas dessas mulheres passaram a assumir a liderança das comunidades
sócio-religiosas afro-brasileiras. Essas mulheres eram detentoras do
poder de lidar com a força divina dos Orixás e de seus ancestrais.
Ao mesmo tempo se tornavam mulheres temidas e
respeitadas, através dos mistérios e poderes sustentados através de uma
sabedoria inviolável e seguida de códigos e símbolos africanos.
Gerações de mulheres negras sobreviveram, através da
religiosidade, ao rigor da escravidão. Agora, tinham de resistir ao
preconceito religioso e às perseguições, como forma de resistência
cultural e em defesa da continuidade de seus valores éticos e culturais.
Ele veio silenciosa nos porões do navio negreiro,
presenciou todas as barbáries praticadas contra homens, mulheres e
crianças durante a escravidão. Tornou-se o acalanto para as dores e o
sofrimento, espalhou-se nas senzalas. Após a abolição da escravatura,
surge um novo ritmo introduzido no Rio de Janeiro e que se alastraria
por todo Brasil, ganhando novos adeptos e novos instrumentos. Esse ritmo
adentra a casa da baiana Tia Ciata, de Tia Amélia (mãe de Donga), de
Priciliana (Mãe de João da Baiana) e instala–se no seu quintal, nos
morros e becos, para que músicos e batuqueiros pudessem tocar e cantar
ao redor de uma enorme mesa repleta de garrafas e quitutes, caldos,
feijoada; o que garantiria o sustento de muitas famílias nos finais de
semana, pedindo passagem para a dignidade que se tornaria o patrimônio
cultural da humanidade: o Samba.
Com o crescimento da industrialização, as mulheres
negras passaram a ampliar os seus conhecimentos para adentrarem no
mercado de trabalho.
O Brasil passava por várias mudanças no campo
político e social. Agora era uma Republica e as primeiras mulheres
feministas no Brasil passam a se manifestar no ano de 1910, fundando o
Partido Republicano Feminino e tendo como fundadora Leonilda Daltro, no
Rio de Janeiro.
Em 1922 é fundada a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, que desenvolve a campanha pelo voto feminino. O
êxito nos seus feitos e a conquista do voto para mulheres se deu.
Porém o sucesso dessa conquista se dá pelo fato de
que muitas mulheres negras, empregadas domésticas, babás, ficavam em
casa, cuidando dos filhos e maridos dessas mulheres, para garantir essa
conquista.
A política passa a ferver em todo o território
nacional. É criada a Frente Negra Brasileira, em 16/09/1931, em São
Paulo, nascendo da indignação de negros/as abnegados/as, tendo como um
dos seus objetivos a integração de negros no mercado de trabalho, além
do combate ao preconceito e à discriminação de que eram vítimas.
A Frente Negra Brasileira tinha seu Departamento
Feminino que era responsável pela alfabetização de homens negros, de
mulheres negras, de crianças e jovens. A FNB se constituiu em um
movimento de caráter nacional, com repercussão internacional, sendo
então extinta em 1938, pelo então Presidente Getúlio Vargas, 50 anos
após a Abolição.
Em 1944, nasce o Teatro Experimental do Negro, com
Abdias Nascimento à frente e a primeira atriz negra: Ruth de Souza. O
Departamento Feminino do TEN teve como responsável a Sra. Maria
Nascimento que fundou o Conselho Nacional das Mulheres Negras, composto
por mulheres negras empregadas domésticas, em sua maioria.
Transcrevemos abaixo alguns trechos do seu pronunciamento, na noite da
fundação, em 18 de junho de 1950.
A Integração da Mulher de Cor na Vida Social
“A mulher negra sofre várias desvantagens sociais,
por causa do seu despreparo cultural, por causa da pobreza, pela
ausência adequada de educação profissional.”
O Conselho Nacional das Mulheres Negras terá um setor
especializado em assuntos relativos à mulher e à infância. Esse
Departamento Feminino tem como objetivo lutar pela integração da mulher
negra na vida social, pelo seu levantamento educacional cultural e
econômico.
“Desejamos fazer funcionar imediatamente um curso de
artes culinárias, corte e costura, alfabetização, datilografia,
admissão, ginásio e outros mais. Contaremos com professores
voluntários. Será uma campanha voluntária para elevação educacional das
mulheres negras”
Irão funcionar imediatamente os seguintes setores do Conselho Nacional de Mulheres Negras:
• Ballet Infantil
• Educação e Instrução
• Curso de Orientação de Mães
• Teatro Infantil
• Assistência Jurídica – Criminalista Dr. Celso Nascimento
• Orientação Sociológica ¬– Prof. Guerreiro Ramos
• Corte e Costura – Nina de Barros
• Tricot – Srª. Natalina Santos Correa
• Bordados- Caty Silva
• Natação- Caramuru de Amaral
• Educação Física- Alberto Cordovil
• Datilografia- Milka Cruz
• Ballet Infantil
• Educação e Instrução
• Curso de Orientação de Mães
• Teatro Infantil
• Assistência Jurídica – Criminalista Dr. Celso Nascimento
• Orientação Sociológica ¬– Prof. Guerreiro Ramos
• Corte e Costura – Nina de Barros
• Tricot – Srª. Natalina Santos Correa
• Bordados- Caty Silva
• Natação- Caramuru de Amaral
• Educação Física- Alberto Cordovil
• Datilografia- Milka Cruz
Partes do discurso proferido nos fins dos anos 40 já
apontavam os caminhos a serem construído pelas mulheres negras no
Brasil, ao longo das décadas de 1960, 1970, 1980, 1990, chegando ao
século XXI.
Sabemos que a cultura de violência advinda do período
da escravidão é ainda presente em todas as esferas da vida social
brasileira. As mulheres negras sempre desenvolveram a luta contra a
ideologia escravocrata, revivendo e recriando contos, lendas, mitos e
recriando o patrimônio civilizatório africano na Diáspora Africana.
A discriminação racial e a violência são problemas
sociais que atingem as mulheres negras e as impedem de ter uma vida
digna e de serem respeitadas como cidadãs. Sua representação na
sociedade não é vista por suas qualidades e valores, competência e
sabedoria. Mesmo assim ela sobrevive numa luta insana para seu sustento
e de sua família, para reviver, para manter a consciência negra.
Não lhes foram assegurados os direitos básicos e
fundamentais para a pessoa humana: o acesso ao trabalho remunerado com
dignidade, moradia, assistência de saúde adequada, respeito aos seus
valores éticos, sociais, culturais e morais.
As mulheres negras passam a se organizar em
associações de moradores, escolas de samba, movimento social e no
movimento negro. Passam a exigir seus direitos. Apontam que a
discriminação racial e a violência doméstica são fatores agravantes em
suas vidas; participam da vida política do Brasil, em Seminários,
Encontros, Palestras, Congressos nacionais e internacionais.
As Conferências do Sistema ONU, tais como ECO 92,
Conferência de População do Cairo, Conferência da Mulher em Beijing,
Conferência de Direitos Humanos de Viena, Conferência Mundial Contra o
Racismo, em Durban, em 2001, contaram com a presença das mulheres negras
que atuam em ONGs, no movimento social e em partidos políticos, mesmo
tendo sua representação bastante reduzida ou inexistente no Congresso
Nacional, nas Câmaras e Assembléia Legislativas, em todo o território
nacional.
Inúmeras mulheres negras, presentes em diversas
mobilizações, criam redes, fóruns e articulações nos espaços de governo,
onde apresentam suas pautas de reivindicações.
As mulheres negras jovens, por sua vez, passam a se
organizar e participar de forma ativa nas discussões do movimento
feminista e movimento de mulheres negras, lutam contra a homofobia, o
tráfico de mulheres e a exploração sexual. As bandeiras do movimento de
mulheres negras são “combate a violência contra mulher e violência
intrafamiliar”, “abuso e os maus tratos contra crianças e adolescentes”,
“garantia de proteção à maternidade durante e pós-gravidez”, “combate
ao trabalho infantil”. As lutas do movimento de mulheres negras são
pela implementação de ações afirmativas e o monitoramento das políticas
públicas, visando relações igualitárias entre homens e mulheres; a
necessidade de capacitação dos gestores públicos, para a implementação
das políticas públicas com o corte de gênero e raça; a titularidade das
terras de remanescentes de quilombos; a adoção de cotas nas
universidades; a necessidade da melhoria da qualidade do ensino;
ampliação do número de vagas no ensino superior; o acesso à Justiça, à
segurança e moradia digna; o reconhecimento dos Direitos Trabalhistas
para as empregadas domésticas; o fim da violência e do racismo
institucional nas “febems”, presídios, manicômios hospitais
psiquiátricos.
Um dos principais desafios para as mulheres negras
organizadas no século XXI é a luta conta o neoliberalismo, pelo fim das
desigualdades, contra a intolerância religiosa e por uma afirmação
positiva das mulheres negras, jovens e idosas nos meios de comunicação.
A necessidade do reconhecimento dessas mulheres negras, jovens, idosas
como agentes de transformação e símbolo de resistência tem sua origem na
África. No momento em que suas ancestrais foram capturadas,
aprisionadas nos depósitos de embarque para o novo mundo, a falta de
dignidade foi instaurada e se perpetuou durante a travessia do
Atlântico. A resistência dessas mulheres durou todo o período do
escravismo, permanecendo como um legado de ouro até os dias de hoje.
A trajetória das mulheres negras pela dignidade da
pessoa humana sempre foi uma constante na busca por reparações. É a
garantia de que nada foi garantido às mulheres negras, jovens e idosas
no dia 14 de maio de 1888.
Referências
Hunot, Silva Lara. Campos da Violência.
Fraga Valter. Meninos, Moleques e Mendigos.
Nascimento, Abdias. Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro.
Benedito, Deise. Deserdados do Destino.
Fraga Valter. Meninos, Moleques e Mendigos.
Nascimento, Abdias. Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro.
Benedito, Deise. Deserdados do Destino.
*Deise Benedito é Coordenadora de Articulação
Política e Direitos Humanos da Fala Preta Organização de Mulheres
Negras; Secretária do Fórum Nacional de Mulheres Negras; Membro do
Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR.


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