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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O batom vermelho. Faz milagres.



or Júnia Puglia       ilustração Fernando Vianna*

Sou bem desentendida dessas coisas. Na condição de psicanalisada, suponho ser porque, quando eu tinha uns seis anos e a mãe de uma colega do jardim de infância me maquiou a caráter para a festa junina da escola, a minha própria mãe quase desmaiou ao me ver toda pintada. Maquiagem não era coisa de criança, ponto final. Mal estava autorizada para mulheres adultas, dentro do nosso mundo evangélico puritano. Eu, que já tinha uma penca de dificuldades com a tal feminilidade do pacote pronto, apaguei do meu radar qualquer possibilidade. Já na casa dos vinte, eu passava muito longe dos pós, sombras, lápis e delineadores, e dos esmaltes de unha também.

Casei-me pouco antes dos trinta. Se há um momento de fulgurância obrigatória na vida das mulheres, é o do casamento. Lá fui eu ser maquiada por um profissional, me achei linda, casei, lavei tudo bem lavadinho e segui em frente. Um dia, não sei quando nem como, me encantei por ele, e só por ele: o batom vermelho. Ficamos inseparáveis. Tempos depois, agreguei um lilás, outro cor de chocolate, rosa-choque, todos bem marcados, mas nenhum como ele, o único item de pintura que se infiltrou de vez na minha vida.

Quando minha filha, já adolescente, quis se maquiar pra uma festa, fui salva pela amiga perua, que veio toda equipada acudir a filha alheia. Solidariedade feminina inclui essas coisas. Depois, ela aprendeu muito bem a realçar seus traços fortes e definidos com linhas, cores e efeitos que me deixam de boca aberta. Acho até que já perdoou a mãe por mais esta incompetência.

Sem ele, sinto-me nua, imprópria para circular em público. O batom vermelho. Faz milagres. Cura casos leves de depressão, sacode autoestimas pisoteadas, eleva uma roupinha de feira a níveis impensáveis de exotismo e elegância. E, o mais importante, faz o espelho me mostrar uma imagem bem mais interessante que aquela falta de graça que refletia no passado, antes que eu descobrisse a mágica da boca rubra.

Batons vermelhos variam bastante em tons, consistências e preços. Tolice gastar muito dinheiro com isso, o baratinho cumpre bem o seu papel. O campeão dos campeões, na minha opinião, é um tal “vermelho russo”, denominação que certamente provoca abalos cotidianos nas tumbas de lênins e stálins. Acredite-me, camarada. Um batom vermelho russo não tem concorrentes na tarefa de colorir uns lábios cuja linha já está se diluindo no solvente do tempo, sobre uma pele deficiente de melanina. Um autêntico herói revolucionário.


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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

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