Os homens acreditavam que o estabelecimento do
sufrágio universal garantia a liberdade dos povos. Mas infelizmente esta era
uma grande ilusão e a compreensão da ilusão, em muitos lugares, levou à queda e
à desmoralização do partido radical. Os radicais não queriam enganar o povo,
pelo menos assim asseguram as obras liberais, mas neste caso eles próprios
foram enganados. Eles estavam firmemente convencidos quando prometeram ao povo
a liberdade através do sufrágio universal. Inspirados por essa convicção, eles
puderam sublevar as massas e derrubar os governos aristocráticos estabelecidos.
Hoje depois de aprender com a experiência, e com a política do poder, os
radicais perderam a fé em si mesmos e em seus princípios derrotados e
corruptos.
Mas tudo parecia tão natural e tão simples: uma vez
que os poderes legislativo e executivo emanavam diretamente de uma eleição
popular, não se tornariam a pura expressão da vontade popular e não produziriam
a liberdade e o bem estar entre a população?
Toda decepção com o sistema representativo está na
ilusão de que um governo e uma legislação surgidos de uma eleição popular deve
e pode representar a verdadeira vontade do povo. Instintiva e inevitavelmente,
o povo espera duas coisas: a maior prosperidade possível combinada com a maior
liberdade de movimento e de ação. Isto significa a melhor organização dos
interesses econômicos populares, e a completa ausência de qualquer organização
política ou de poder, já que toda organização política se destina à negação da
liberdade. Estes são os desejos básicos do povo.
Os instintos dos governantes, sejam legisladores ou
executores das leis, são diametricamente opostos por estarem numa posição
excepcional.
Por mais democráticos que sejam seus sentimentos e
suas intenções, atingida uma certa elevação de posto, vêem a sociedade da mesma
forma que um professor vê seus alunos, e entre o professor e os alunos não há
igualdade. De um lado, há o sentimento de superioridade, inevitavelmente
provocado pela posição de superioridade que decorre da superioridade do
professor, exercite ele o poder legislativo ou executivo. Quem fala de poder
político, fala de dominação. Quando existe dominação, uma grande parcela da
sociedade é dominada e os que são dominados geralmente detestam os que dominam,
enquanto estes não têm outra escolha, a não ser subjugar e oprimir aqueles que
dominam.
Esta é a eterna história do saber, desde que o poder
surgiu no mundo. Isto é, o que também explica como e porque os democratas mais
radicais, os rebeldes mais violentos se tornam os conservadores mais cautelosos
assim que obtêm o poder. Tais retratações são geralmente consideradas atos de
traição, mas isto é um erro. A causa principal é apenas a mudança de posição e,
portanto, de perspectiva.
Na suíça, assim como em outros lugares, a classe
governante é completamente diferente e separada da massa dos governados. Aqui,
apesar da constituição política ser igualitária, é a burguesia que governa, e é
o povo, operários e camponeses, que obedecem suas leis. O povo não tem tempo
livre ou educação necessária para se ocupar do governo. Já que a burguesia tem
ambos, ela tem de ato, se não por direito, privilégio exclusivo. Portanto, na
Suíça, como em outros países a igualdade política é apenas uma ficção pueril,
uma mentira.
Separada como está do povo, por circunstâncias
sociais e econômicas, como pode a burguesia expressar, nas leis e no governo,
os sentimentos, as idéias, e a vontade do povo? É possível, e a experiência
diária prova isto. Na legislação e no governo, a burguesia é dirigida
principalmente por seus próprios interesses e preconceitos, sem levar em conta
os interesses do povo.
É verdade que todos os nossos legisladores, assim
como todos os membros dos governos cantonais são eleitos, direta ou
indiretamente, pelo povo.
É verdade que, em dia de eleição, mesmo a burguesia
mais orgulhosa, se tiver ambição política, deve curvar-se diante de sua
Majestade, a Soberania Popular. Mas, terminada a eleição, o povo volta ao
trabalho, e a burguesia, a seus lucrativos negócios e às intrigas políticas.
Não se encontram e não se reconhecem mais. Como se pode esperar que o povo,
oprimido pelo trabalho e ignorante da maioria dos problemas, supervisione as
ações de seus representantes? Na realidade, o controle exercido pelos eleitores
aos seus representantes eleitos é pura ficção, já que no sistema
representativo, o controle popular é apenas uma garantia da liberdade do povo,
é evidente que tal liberdade não é mais do que ficção.
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* In: WOODCOCK, George.
(0rg) Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre, L&PM,
1986, pp. 98-100.


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