Presidente
da Associação de Prostitutas de Minas Gerais teme expulsão das profissionais
durante a Copa do Mundo
Por Andrea Dip e Mateus Coutinho,
Maria Aparecida
Menezes Vieira, a Cida, de 46 anos, há mais de 20 anos faz ponto na rua Afonso
Pena, no centro de Belo Horizonte, perto do Batalhão do Corpo de Bombeiros onde
o irmão militar trabalha. Em 2009 participou da fundação da Associação de
Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), que dá cursos, promove ações de saúde
preventiva e de conscientização contra o preconceito, além de pressionar os
órgãos públicos pela aprovação do projeto de lei 98/2003, do ex-deputado
federal Fernando Gabeira, que legaliza a a prostituição como profissão. Hoje o
projeto está arquivado.
As ruas
Afonso Pena e Guaicurús, próximas umas das outras, têm o maior movimento de
profissionais do sexo da cidade. Cerca de 4500 mulheres fazem programas todas
as noites nos pequenos hotéis da região – que também servem de casa para
algumas delas – e na rua.
Com o
início dos preparativos para a Copa na cidade, as mulheres temem pelo ponto,
pela repressão e pela perda do ganha-pão. O centro começa a dar sinais do que
os movimentos sociais chamam de “higienização”, grandes projetos imobiliários
seguidos da remoção das comunidades pobres, ambulantes e profissionais do sexo.
“Todos nós temos interessa na revitalização. Trabalhar em lugar melhor, mais
seguro, é bom. O problema é que ninguém sabe de nada”.
O projeto
de um novo hotel cinco estrelas, o Golden Tulip, do empresário Roberto Justus,
já está aumentando o valor dos imóveis e ameaçando pequenos comércios, hotéis
e, claro, as prostitutas, que, por não terem a profissão regulamentada, não contam
com garantia nenhuma. Para quem nega que haverá especulação imobiliária, o site
do futuro hotel explica: “Para os investidores das unidades do Golden Tulip
Belo Horizonte, a perspectiva é de forte valorização imobiliária, excelente
rentabilidade mensal e remuneração que iniciarão em breve, uma vez que o hotel
entrará em operação no primeiro trimestre de 2013” .
“Temos
medo do que pode acontecer. Estamos por nossa conta” diz Cida. “Já fomos à
prefeitura perguntar o que será de fato este hotel e o que será feito de nós,
mas ninguém responde”. Ela vê a Copa como algo ruim para os negócios,
contrariando o discurso do aumento da prostituição durante os megaeventos: “Vão
querer nos varrer, né? Nos esconder dos gringos. É assim que sempre fazem”.
Ainda assim, pretende brigar para que as associadas da Aprosmig aproveitem as
oportunidades. Está promovendo cursos de idiomas estrangeiros e de fotografia
para mostrar a Copa sob a visão delas. “Que fique muito claro: exploração
sexual de adolescente e criança é crime. Nós não só somos contra, como
denunciamos” afirma. “Lutamos por respeito e condições dignas para as
profissionais do sexo”.
Em
entrevista ao Copa Pública,
ela fala sobre a associação, sobre Copa do Mundo e sobre a luta pela
legalização da profissão.
Copa Pública: Conte um pouco da
sua história. Onde nasceu e como se tornou profissional do sexo?
Maria Aparecida Menezes Vieira: Nasci em um município pequeno e
vim morar em Belo Horizonte muito nova, com minha mãe e meus irmãos, na casa
dos meus tios. Estudei aqui, em escolas públicas e particulares. Meu pai é
bancário. Estagiei no Banco Central, em uma drogaria, em um hospital e resolvi
abandonar tudo e fazer curso de medicina chinesa. Vi que não era minha área, eu
sempre gostei de coisa diferenciada. Aí resolvi ser profissional do sexo mesmo,
trabalhando com fantasias. Eu tinha 24 anos. Sempre assumi o que eu faço para
os meus amigos e minha família. É uma profissão como outra qualquer. Polêmica,
mas eu me considero uma pessoa polêmica.
Você que escolheu a profissão, então.Eu
que decidi. Não quis trabalhar com burocracia. É uma coisa que eu gosto,
trabalho com fetiche.
E sempre fez ponto na Rua Afonso Pena?Sim,
porque meu irmão é militar e trabalha no Corpo de Bombeiros, que fica ali na
esquina. Então eu sempre fiquei por ali. Por segurança e também para acabar com
o preconceito.
Essa postura de querer combater o
preconceito é algo que aconteceu ao longo dos anos? Ou você sempre pensou
assim?Eu sempre
fui assim. Sempre gostei de mostrar o que eu sou. Eu sou assim e quero ser
respeitada. Eu não sou meu trabalho 24 horas. Eu estudo, trabalho, tenho
família.
Como surgiu a Associação de Prostitutas de
Minas Gerais?A Aprosmig surgiu em 2009. O GAPA (Grupo de Apoio e Prevenção
a AIDS) fazia um trabalho de prevenção com as prostitutas da Afonso Pena, eu
estava lá e eles me abordaram. Eu já tinha vontade de montar uma instituição
para defender o direito das mulheres, principalmente sobre a questão da
violência e nós fomos articulando.
O que é o GAPA?É um grupo de prevenção
à AIDS com 25 anos de existência. É ligado à RBP (Rede Brasileira de
Prostitutas). Além de abordar as mulheres na rua, fazem seminários, palestras etc.
E o que faz a Associação?Nós temos um
grupo de 4500 mulheres associadas. A gente trabalha a questão do HIV, da
prevenção de DSTs, da violência, fazemos seminários sobre saúde, cidadania e
sobre o próprio preconceito. A gente ganhou uma sede, paga pela Associação dos
Amigos da Rua Guaicurus, uma instituição que é de donos de hotéis. Eles pagam o
aluguel. Também tentamos estabelecer um diálogo junto aos órgãos públicos, mas
ainda há muito preconceito. Nossa principal luta é pela legalização da profissão.
O projeto de lei do Gabeira [PL 98/2003, hoje arquivado na mesa da Câmara] já
sinalizou uma vitória. Mas a gente está tentando tirar as prostitutas da
marginalidade. Os comerciantes da Afonso Pena e os hotéis, assim como o
movimento LGBT e algumas ONGs, são nossos parceiros.
Como o anúncio da Copa do Mundo afetou o
trabalho de vocês?Temos medo de que com esse falso moralismo e com essa
higienização do centro da cidade, eles fechem os hotéis, tirem as mulheres,
queiram nos esconder. A gente briga para que as mulheres possam participar
dessa revitalização. Que não mexam com essas trabalhadoras como tem acontecido
nas outras cidades que vão receber a Copa. Desde que começaram as obras do
hotel [Golden Tulip] tivemos uma reunião na prefeitura de Belo Horizonte, mas
ainda nada aconteceu. Se tirarem essa mulheres, que estão lá há tanto tempo,
para onde elas vão? É sempre assim, os mais pobres são os que sofrem. A gente
luta pelo direito de estar, permanecer e sermos respeitadas.
Vocês tiveram uma audiência com o
Ministério Público?Nós fizemos uma proposta de audiência pública no
Ministério Público Federal, junto a outros movimentos de excluídos da Copa. Mas
estamos aguardando.
E sobre o Hotel Golden Tulip?
Quando vocês tiveram conhecimento disso?As coisas acontecem do dia para a lua. Nós sabemos
que estão sendo feitas reuniões no município com vários comércios, lojistas, é
um projeto que não sabemos muito bem quem está por trás. Tivemos uma conversa
com o secretário da prefeitura para saber mais a respeito mas ele não nos
informou.
O que você acha que vai acontecer com essa
revitalização?Estamos com medo. Não sabemos para onde vamos. A prefeitura
dizer que vai dar um espaço para a gente trabalhar não vai acontecer, a gente
sabe que isso é ilegal. Estamos só por nossa conta mesmo.
Esse parceiros que vocês têm, os
comerciantes, os hotéis, eles têm interesse na revitalização?Todos nós
temos interesse na revitalização. Trabalhar em lugar melhor, mais seguro, é
bom. O problema é que ninguém sabe de nada. Os comerciantes também têm medo de
perder o ponto quando valorizar. E não podemos fazer nada porque não temos uma
lei do nosso lado. Mas os parceiros têm ajudado a gente, inclusive pagando os
eventos que a gente promove. Eles nos ajudam e se ajudam também, né?
Com a chegada da Copa, a preocupação com o
aumento do tráfico de pessoas e da prostituição infantil aumenta. E muitas
vezes isso é usado também contra as prostitutas. Como vocês lidam com isso?É
claro que temos sofrido mais pressão por causa da Copa, temos sido
marginalizadas. Mas vamos começar com a questão da exploração: exploração
sexual de criança e adolescente é crime. Nós denunciamos. Aí vem o conselho
tutelar, pega as meninas, chama a mãe, mas no dia seguinte elas estão lá de
novo. Porque precisam trabalhar, porque vivem na miséria e não têm para onde
ir. A questão do tráfico de pessoas… Será que se legalizasse a profissão, isso
não acabaria? Porque seria um campo de trabalho. Mesmo o estupro [das
profissionais do sexo] diminuiria. As pessoas precisam entender que nenhuma
mulher está lá obrigada. Se estiver, é violência contra a mulher. Aí é crime.
Hoje nós temos mulheres formadas, muitas têm duas profissões, inclusive. Eu
mesma sou massoterapeuta e acupunturista durante o dia. Mas não estamos falando
de mulheres em situação de prostituição, aquelas que se prostituem para pagar
drogas, porque o dinheiro é mais rápido, por exemplo. Esses casos são
diferentes e a gente nem considera como profissionais do sexo.
Vocês têm acompanhado ou até mesmo
participado de algumas iniciativas da Secretaria de Mulheres para evitar a
questão da exploração e dos abusos sexuais na Copa? Vocês têm acompanhado
alguma iniciativa deste tipo?A gente tem participado quando somos chamadas.
As políticas públicas não existem para nós porque a profissão não é legalizada.
As discussões são muito básicas, eu acredito que ainda não tenha um
amadurecimento dessas questões.
A despeito de todo esse medo que
vocês estão vivendo, qual é a importância desse mundial para a Associação de
Prostitutas? Vocês estão se preparando para receber uma demanda maior?Nós temos um relatório da África
do Sul que mostra que, eu não sei se devido à questão da AIDS por lá, os
resultados não foram tão bons. Não teve clientela. Não sei se vai se repetir
com o Brasil. Porque no exterior o Brasil é praia, mulher bonita, bunda e a
zona né? Não podemos negar que estamos esperando oportunidades melhores.
E vocês estão dando cursos para as
mulheres atenderem melhor o público durante o Mundial?Nós estamos trazendo,
junto ao EJA (Educação de Jovens e Adultos), cursos para quem não tem o
fundamental completo. Elas vão terminar o fundamental. O segundo grau ainda
está em discussão, porque aí é com o estado e não com o município. E idiomas.
Estamos programando cursos junto ao Sindicato dos Professores e vendo a
possibilidade de cursos de idiomas. Embora a Dilma já tenha lançado uma
iniciativa parecida, com cursos gratuitos. Várias mulheres já estão cadastradas
para fazer esses cursos. Também estamos com um projeto de um curso de
fotografia, para as mulheres mostrarem o lado delas na Copa. São ideias que vêm
delas mesmas e a gente vai atrás de parcerias para realizar.
Como a organização se mantém?Não temos
financiamento nenhum do governo. Essa sala é paga pela AARG (Associação dos
Amigos da Rua Guaicurus). O telefone a gente pede para que as meninas doem
mensalmente um valor de três reais. Não são todas que pagam, só as que podem. E
elas levam recibo depois para contabilidade, a gente faz prestação de contas. E
a gente faz um trabalho de saúde preventiva, exames, em parceria com o SUS.
Temos um plano de saúde para que, caso as meninas não consigam de um lado [com
o SUS], elas tenham convênio particular.
Você falou do preconceito dos órgãos
públicos…O preconceito é uma coisa cultural, nós sabemos. O estado é
preconceituoso, existe o falso moralismo, a igreja também interfere nessa
questão. Se você vai a uma delegacia, se as mulheres têm problemas no local de
trabalho, se são violentadas, os policiais não fazem a ocorrência, não
consideram estupro. Estamos até denunciando junto à corregedoria essa questão.
Queremos criar uma briga feia. Porque não tem diálogo, não temos visibilidade.
E nas delegacias, como as mulheres são
tratadas?Se você chega na delegacia dizendo que foi agredida, sofreu
tortura psicológica, o delegado diz: “aconteceu porque você quis”. Não existe
estupro de prostitutas para a sociedade. Não tem política, não tem diálogo.


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