A importância da Cúpula dos Povos
Por Assis
Ribeiro
Do Le Monde Diplomatique
Trinta dias após a realização da Cúpula dos Povos, a Fase (Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional) avalia a importância do evento que reuniu os movimentos
sociais
De 15 a 22 de junho, enquanto recebeu a Cúpula dos
Povos, o Aterro do Flamengo era um lugar cheio de vida! É claro que este espaço
público do Rio de Janeiro não é “morto” em outras ocasiões, mas aqui falamos de
movimento, diversidade, resistência e esperança em grande concentração. Estas são algumas das imagens que a
FASE evoca ao fazer uma primeira avaliação da Cúpula, processo no qual
apostamos nos últimos dois anos como construção coletiva junto com redes, entidades
e movimentos sociais nossos parceiros. Em cada uma das tendas e também nos
espaços livres do Aterro, nos Territórios do Futuro pela cidade ou nas 12
manifestações que tomaram as ruas do Rio, acreditamos que houve demonstrações
suficientes de que a sociedade civil brasileira – movimentos sociais, ONGs,
coletivos, cidadãos e cidadãs – está viva e demanda, junto com a sociedade
civil planetária, uma mudança urgente do modelo de desenvolvimento atual.
Ao longo da Cúpula as visões comuns foram se
consolidando e tornando possíveis os consensos presentes na declaração final: a
crítica ao capitalismo verde ; os bens comuns são da humanidade e é assim que
devem ser valorizados; resistimos à financeirização da natureza; apostamos no
fortalecimento dos direitos e em formas de produção e consumo que apontam para
outra organização da economia. Assim, podemos afirmar uma vitória, ao menos
provisória ou parcial, sobre o ambientalismo de mercado. Afinal, cumprimos o
que dizia a convocatória do grupo facilitador brasileiro lançada no início de
2011, reafirmado pelo documento de posição da FASE: chamamos a atenção sobre “a
gravidade do impasse vivido pela humanidade, e sobre a impossibilidade do
sistema econômico, político e cultural dominante apontar e conduzir saídas para
a crise”. Com atividades como a inauguração de uma cisterna de placas no
Complexo do Alemão – unindo o conhecimento e a resistência do semi-árido e da
Mata Atlântica, do sertão e da favela – buscamos também “afirmar e mostrar
outros caminhos possíveis”.
Para a FASE, a Cúpula foi também vitoriosa ao
apostar na construção de convergências. Pra isto, ametodologia –
temas agregadores, plenárias, assembléias – foi fundamental, garantindo a
pluralidade e a diversidade presentes nas atividades auto-gestionadas, porém,
combinando-as com momentos de análise, construção de lutas e propostas comuns.
Este pode ser considerado um salto de qualidade em relação ao Fórum Global de
92, quando os debates – das mulheres, dos agricultores, dos ambientalistas, dos
cidadãos por direito à cidade – se organizavam de modo setorial e temático.
Caminhar no sentido de um documento final, que expressa a voz da unidade na
diversidade que se ouviu no Aterro, é outro ponto positivo, que colhe a
experiência de uma década de Fórum Social Mundial, mas propõe um passo adiante.
Avaliamos que agora é necessário seguir em processos de convergência e diálogo
para que, a exemplo de 92, este seja o início de um novo ciclo de lutas. Neste
sentido, é preciso avaliar também fragilidades do nosso processo, como as
lacunas na articulação internacional e a formulação de sínteses sobre as alternativas,
que existem – sabemos - no cotidiano dos territórios em todas as regiões do
mundo, mas não transparecem sistematizadas a contento na Declaração Final.
Também há muito que trabalhar frente
às grandes corporações. Em nossa avaliação, elas não vieram ao Rio de Janeiro
para travar debates, mas para mostrar o que chamam de alternativas tecnológicas
– e nós chamamos de falsas alternativas. Marcaram posição na mídia e ocuparam
grande espaço na Rio+20 – não é difícil constatar que as Nações Unidas estejam
capturadas pelo lobby das empresas. E é lamentável assistir ao resultado da
conferência oficial: apesar de não nos surpreender, seu fracasso superou nossos
piores temores.
Nós nos preparamos para a batalha contra o
ambientalismo de mercado e o capitalismo verde, mas não foi esta a contradição
principal. A crise global levou a Conferência da ONU a posições no campo
defensivo e de manutenção das bases de sustentação do crescimento econômico a
qualquer custo. O impasse entre os blocos de poder em que se dividem os Estados
bloqueou um consenso em torno da reciclagem do modelo dominante e da emergência
do capitalismo verde como nova proposta hegemônica. Evidência disto foi a
recusa à constituição de um fundo para o desenvolvimento sustentável no
montante de 30 bilhões de dólares, quantia irrisória se comparada com as
centenas de bilhões de dólares destinados à retomada do funcionamento do
capitalismo nas mesmas bases predatórias de sempre.
Cabe ressalvar que, se a declaração da Conferência
não consagrou - com a centralidade que alguns pretendiam - o projeto da
economia verde de mercantilização e financeirização da natureza, o espaço dado
na Rio+20 para o setor privado o deixou avançar nessa direção, inclusive
apresentando a sua “Declaração de Capital Natural” na qual são chamados de
“ativos” bens comuns como a água, o ar, o solo e as florestas.
Nosso primeiro balanço sobre a Cúpula dos Povos é
resultado também de nosso diagnóstico das contradições e falhas no processo
oficial. E da triste constatação de que temos como resultado da Rio+20 o mais
baixo patamar possível de compromisso com a sustentabilidade e o enfrentamento
da crise global. Adicionalmente, temos consciência do contexto de
fragmentação da esquerda no qual todo o processo de organização da Cúpula foi
realizado. Não é por outro motivo que ressaltamos este momento da Cúpula dos
Povos como de importantes conquistas políticas, sobretudo em um cenário de
criminalização dos movimentos sociais e ONGs. Em muitos aspectos ganhamos a
disputa e mostramos para a sociedade que um mundo com Justiça Social e
Ambiental será construído a partir das nossas lutas e propostas.. É preciso
agora fortalecer os caminhos para seguirmos adiante.
FASE
Organização não-governamental voltada para a
promoção dos direitos humanos, da gestão democrática e da economia solidária.

Nenhum comentário:
Postar um comentário