"Tenho o maior orgulho de haver participado (minimamente) do processo de construção deste Almanaque - que está lindo! E que irá nos ajudar, e muito, na caminhada da construção de uma Verdadeira Economia Popular e Solidária. por enquanto fiquem com o Prefácio - escrito por Carlos Rodrigues Brandão - que já dá a exata noção do que o contêm."
Prefácio
CONSTRUIR A ESPERANÇA – UM OUTRO
CAMINHO, UMA OUTRA VIDA, UMA SOCIEDADE, UMA OUTRA ECONOMIA.
Neste pequeno escrito que apenas
antecipa o que importa neste ALMANAQUE, o que eu mais gostaria é de trazer
algumas sugestões a respeito de nossas vidas e de nossas práticas solidárias
cotidianas. Que elas apenas antecipem o que vocês vão ler a seguir.
Certa vez Marcos Arruda, estava
participando de uma reunião sobre diferentes economias. Quando terminou a sua
fala sobre Economia Solidária, uma das pessoas presentes fez uma observação que
já havia ouvido várias vezes. Ela disse mais ou menos isto a ele: “Esta
proposta que você acabou de desenhar aqui para nós é muito bonita. É muito
interessante mesmo, e eu até acho que se ela pudesse ser aplicada no mundo
inteiro, o mundo seria bem melhor. Mas ela só tem um problema: ela é uma
economia irreal”.
Marcos Arruda respondeu a ela com
outras perguntas: “Tudo bem”, mas se uma economia centrada em pessoas e não em
coisas, em trocas justas e humanas e não no desejo do lucro, em relações
equitativas, inclusivas, solidárias entre pessoas e povos e também sustentáveis
entre nós e mundo em que vivemos é uma economia irreal e ilusória, então qual é
a seu ver, uma economia real? O que você considera uma economia realista?
Será que ela é esta que nós
estamos vivendo agora, em quase todo o mundo? Esta que nós vivemos agora, aqui no Brasil?
Seria esta economia em constante e crescente crise por toda a parte? Uma
economia que torna pessoas mercadorias, para dar às mercadorias o valor que
deveria ser dado aos seres humanos? Será esta? Seria esta economia da
desigualdade, da troca sempre desigual e desumana? Uma economia da concentração
crescente da pobreza e da exclusão. Seria essa? Uma economia sedenta de lucro,
para a qual os que importam são os ganhos e a acumulação desenfreada do
capital? Uma economia que classifica os seres humanos de acordo com a posição
deles não na vida e na sociedade, mas no mercado? Essa é a sua “economia real?”
Não sei o que o homem teria respondido ao Marcos Arruda, mas espero que as
pessoas que buscam outros caminhos e que lerão este Almanaque tenham para as
afirmações do homem ao Marcos Arruda e para as perguntas dele ao homem, boas e
esperançosas respostas. E também outras boas perguntas.
E eu quero lembrar aqui também
uma recente conversa com Daniel Tygel. Ele me contava há dias que algumas
pessoas praticantes da Economia Solidária estão pensando em sugerir ao nosso
governo a mudança do logotipo dele, que nos acostumamos a ver por toda a parte.
Em vez da frase (já por si bastante sugestiva): “País rico é país sem pobreza”,
poderíamos desenhar ali uma frase, acompanhada de outra: “País rico é país sem
ricos” – “abaixo a desigualdade extrema”. Afinal, quem duvida de que um país
rico deveria ser um país de gente feliz com o que tem e partilha, e não, com o
que ganha e acumula.
Uma nação de fato “rica” talvez
tenha como medida de sua “riqueza” não o conhecido PIB – Produto Interno Bruto (“bruto”
aqui pode ser lido nos dois sentidos da palavra), mas a emergente FIB –
Felicidade Interna Bruta, na qual o que vale e é computado não é o que “se produziu
durante um ano”, mas “o que isso representa em termos de realização, de vida,
de felicidade entre as pessoas produtoras e todas as outras”.
É chegado o momento de
aprendermos juntos a repensar a perdurante relação pobreza/riqueza. Até aqui,
negando isso ou não, ainda somos servos da lógica do mundo dos negócios ao
pensarmos os termos de nossa própria qualidade de vida. Precisamos substituir
essa imagem que também vem do “mundo do mercado” por outra. Gosto de chamá-la,
por oposição, de vida de qualidade. Qualidade de vida indica geralmente o que
“eu conquistei” e o “que eu tenho”. Vida de qualidade aponta para o que “eu
partilho com outros” e o “sentido e o valor que dou ao que sou mais do que ao
que apenas possuo”. Qualidade de vida é “a casa que eu construí ou comprei e
agora possuo”. Qualidade de vida é “o valor e o sentido de vida e de partilha
da vida que eu e as outras pessoas que vivem “na minha casa”, damos a ela.
“Qualidade de vida no fim das contas é” o que fizeram de nós” (em geral de
acordo com a mídia e o mercado). Vida de qualidade é “o que fazemos do que
fizeram de nós”.
Em nome de nossos direitos
humanos a um certo patamar de conforto que a tecnologia e o mercado nos
prometem, muitas vezes nos dedicamos a lutar por “conquistar” um estilo de vida
cujo padrão de consumo acaba sendo sempre superior ao das verdadeiras
necessidades de uma vida humana digna e simples.
Ora, hoje em dia, ao longo do
mundo inteiro, pessoas, famílias, movimentos sociais, comunidades, povos
começaram a questionar o valor real de uma vida centrada no único caminho que o
mercado do mundo dos negócios nos aponta: aquele que na volta nos conduz o
produtivista e, na volta, o consumista. Mas
em todos os cantos do mundo começamos “de baixo para cima” e “da periferia para
o centro”. E algo que nos desloca de dilemas, de apelos e de conquistas que
escapam de uma “política dos outros”, para uma “ética de nós mesmos”.
Podemos adotar uma vida muito
mais simples. Podemos viver escalas de consumo, de posse e de uso dos bens
disponíveis, bastante menores do que os que nos são impostos, sem perda alguma
de uma verdadeira substância de uma melhor vida de qualidade, que bem poderia
ser o outro lado de uma obsessiva luta “de todos contra todos” por conquistar
uma maior qualidade de vida. Devemos e podemos repensar bastante o sentido de
nossas próprias escolhas. Não pensamos nunca em optar pela distribuição de uma
desumana miséria nem de uma pobreza indesejável. Falemos com coragem de
assumirmos uma vida simples e amorosamente compartilhada. Uma vida simples e
solidária deveria orientar a nossa própria relação com o mundo do trabalho. De
algum modo, o apelo antigo e atual no sentido de escolhermos estar com os
despossuídos, com os excluídos e postos à margem, cujo número apenas aumenta
aqui e por toda a parte, não deveria ser apenas uma distante opção política.
Ele deve tender a ser uma escolha de nossa vida. Até quando “os ricos e
privilegiados” serão apresentados a nós e aos nossos filhos como “um ideal a
imitar”?
Não basta a disposição de
consumir menos e possuir pouco. Tomada sozinha, essa escolha pode desaguar em
uma espécie de renúncia individual e até egoísta. Apenas troco as minhas posses
de materiais para espirituais. Mas, fechadas nos círculo de mim mesmo, elas
acabam resolvendo - ou pretendendo resolver – os “meus problemas”. E tudo o que
escrevo aqui conspira contra esses desejos solitários de “crescimento”
espiritual desde que os outros não me atrapalhem.
Bem sabemos que um dos maiores
desafios na escolha de uma vida pessoal e interativamente coerente com um
projeto social de opções solidárias e de transformação da própria sociedade a
partir delas está no fato de que, em boa medida, algumas motivações pessoais
guiadas por preceitos de reciprocidade, de partilha e de igualdade e de justiça
ficam restritas a apenas alguns grupos pequenos e a algumas cooperativas e
comunidades. No entanto, esse é um passo importante na opção por uma vida simples
e despojada, em favor da vida e em comunhão com os outros. Unir pessoas,
aproximar experiências, expandir cooperativas e comunidades solidárias, criar
redes, estender essas redes até que, a partir do meu bairro, um dia ela se some
a outras para... “cobrir o mundo inteiro”.
Podemos pouco a pouco aprender a
partilhar com os outros os nossos bens, os nossos serviços, os nossos talentos,
as nossas vidas. Podemos tornar disponível o que possuímos e, assim, podemos
passar do penoso possuir, reter e acumular – o modelo capitalista do mercado –
para a experiência generosa do partilha, e trocar – o modelo solidarista da
vida. Esses são passos que nos livram de carregar nas costas, sozinhos tudo o
que temos e guardamos para nós, conforme aprendemos a sentir que “tudo isto’
apenas “passa por nós” e nos serve à medida que nos unimos aos outros e
estendemos o que somos e possuímos a partilha da própria vida com os outros”. E
essa é a semente da liberdade.
Na verdade, estamos ainda a tal
ponto acostumados a viver e pensar entre os termos de uma economia de mercado –
na qual tudo é pensado em termos de compra e venda e de ganhos e perdas – que a
possibilidade não tanto de escaparmos do comércio e do mercado, mas de vivermos
vidas centradas no ser das pessoas, e não ter das coisas, de vez em quando nos
aparece uma vaga fantasia. Podemos nos lançar na criativa aventura de criarmos
pequenas unidades de vida solidária que nada tenham de amadorismo ou de
voluntarismo fantasioso. Ao contrário, elas poderiam ser o embrião de outra
economia e, por decorrência, de outra forma de vida socialmente generosa e
solidária. Algumas experiências de vida associativa e de unidades e redes de
trocas de produtos ou de consumo solidário estendem-se por toda parte.
Por agora são os agricultores e
os pequenos artesãos os que nos têm algo a ensinar, pois eles saíram na frente.
Mas agora começamos a nos perguntar se não podemos estender a experiência de
trocas recíprocas e solidárias a outras esferas de vida e de trabalho, até o
momento em que toda uma vida social alternativa torne real a possibilidade de
que venhamos a construir juntos, para habitarmos solidariamente, um “outro
mundo possível”. Estamos trabalhando para construir em nós e sem toda parte
cenários de vida de pessoas capazes de se assumirem como criadores de seu
próprio mundo. Quanta alegria sentimos quando afinal conseguimos “construir a
minha casa”? Qual não seria o nosso sentimento de realização se de fato
conseguíssemos nos reconhecer construindo junto a muitas outras pessoas uma
casa bastante maior do que a “minha”? Uma casa chamada... ”mundo”?
Algo apenas destinado a gerar
algumas vidas mais “autênticas” dentro de um mundo de vida social e econômica
que nega à imensa maioria das mulheres e dos homens uma existência de mínimos
vitais.
Nossas escolhas não devem ser
pensadas e vividas como uma ética dos bons propósitos. Devem ser vividas como
disposições de escolhas de uma vida dirigida à participação em todo um projeto
local, nacional e universal de criação de outras formas de viver. Devem ser destinadas
a construir de fato um mundo regido por princípios bem distantes dos que regem
a economia de mercado e a colonização mercantil da vida humana segundo os
termos da globalização neoliberal.
Vivemos tempos
em que as causas e as frentes de luta e de esperança na construção do novo
tornaram-se múltiplas, em alguns casos bastante movediças e em outros até mesmo
efêmeras. Ainda que sejam, muitas as alternativas de participação corresponsável
na construção do “outro mundo possível”, uma presença junto aos
“marginalizados” e junto aos movimentos populares ainda é e seguirá sendo a
fonte de um genuíno empoderamento dos outros movimentos emancipatórios. E a
redefinição de vidas pessoais e interativas em termos de uma partilha solidária
nos deveria impelir a um esforço para repensarmos a nossa própria inclusão na
vida social.
Precisamos bem mais
do que seguir vivendo nossas vocações profissionais inteiramente imersas na
lógica e na rotina do mundo do mercado, reservando pequenas brechas de tempo e
de energia (quando sobram) para algum tipo de participação em projetos de ação
social transformadora. Isso é importante e de variadas maneiras envolve
dimensões da vida de muitas e de muitos de nós.
Pois
é toda uma coletiva vida, pessoal, profissional e de ação social que precisa
ser repensada. E em tempos de privatização de quase todos os campos de trabalho
e de uma progressiva colonização empresarial até mesmo de unidades de
financiamento de ações sociais, ambientais e outras, como iniciativas da
sociedade civil, é cada vez mais desafiadora a solução do dilema de como
colocar o exercício de nossas profissões a serviço das maiorias excluídas, e
não a serviço de minorias excludentes.
Este pequeno e precioso
ALMANAQUE não pretende trazer receitas prontas. Não pretende apontar um único
caminho. Entre os muitos caminhos à nossa escolha, ele aponta alternativas,
sugere horizonte e, como um bom “guia de caminhada”, traz alguns preceitos e
algumas ideias de práticas pessoais e, sobretudo, coletivas, em direção à
descoberta de uma nova vida, através de outra economia.
Saibamos com ele descobrir e
colocar no chão de nossas vidas algumas sementes de esperança. Depois, saibamos
juntos cuidar do que venha a nascer de nosso esforço solidário. Até o momento
em que, com a alegria de sentir partilhando a construção de uma nova vida, em
um novo mundo, saibamos juntas e juntos colher o que semeamos.
Rosa dos Ventos
Começo do inverno de 2012
Carlos Rodrigues Brandão
CAIXAS DE TEXTOS
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O
termo foi criado pelo rei do Butão Jigme Singye Wangchuck, em 1972, em resposta a críticas que
afirmavam que a economia do seu país crescia miseravelmente. Esta criação
assinalou o seu compromisso de construir uma economia adaptada à cultura do
país, baseada nos valores espirituais budistas.
Assim como diversos outros valores morais, o conceito de Felicidade Interna
Bruta é mais facilmente entendido a partir de comparações e exemplos do que
definido especificamente.
Enquanto
os modelos tradicionais de desenvolvimento têm como objetivo primordial o
crescimento econômico, o conceito de FIB baseia-se no princípio de que o
verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana surge quando o
desenvolvimento espiritual e o desenvolvimento material são simultâneos,
assim se complementando e reforçando mutuamente.
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NOVE CAMPOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E SOCIAL –
FELICIDADE INTERNA BRUTA:
1. VIDA DE QUALIDADE – tem a ver com a necessidade
materiais e a economia real;
2. BOA GOVERNANÇA – partilha do poder de decisões e de
gestão da encomia e do desenvolvimento;
3. EDUCAÇÃO – de todos e todas;
4. SAÚDE – de todas e todos
5. RESILIÊNCIA ECOLÓGICA – capacidade de um ecossistema
recuperar seu estado inicial depois que ações humanas o alteram;
6. DIVERSIDADE CULTURAL – unidade na diversidade;
7. VITALIDADE COMUNITÁRIA – unidade na diversidade;
8. USO EQUILIBRADO DO TEMPO – trabalho exterior e
interior;
9. BEM-ESTAR PSICOLÓGICO E ESPIRITUAL
ESSAS SÃO
CONDIÇÕES PARA O MAIS-SER (Fonte: palestra de Marcos Arruda – junho/12 –RJ)
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