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terça-feira, 24 de julho de 2012

Almanaque - Práticas educativas em Economia Solidária







"Tenho o maior orgulho de haver participado (minimamente) do processo de construção deste Almanaque - que está lindo! E que irá nos ajudar, e muito, na caminhada da construção de uma Verdadeira Economia Popular e Solidária. por enquanto fiquem com o Prefácio - escrito por Carlos Rodrigues Brandão - que já dá a exata noção do que o contêm."

Prefácio

CONSTRUIR A ESPERANÇA – UM OUTRO CAMINHO, UMA OUTRA VIDA, UMA SOCIEDADE, UMA OUTRA ECONOMIA.
Neste pequeno escrito que apenas antecipa o que importa neste ALMANAQUE, o que eu mais gostaria é de trazer algumas sugestões a respeito de nossas vidas e de nossas práticas solidárias cotidianas. Que elas apenas antecipem o que vocês vão ler a seguir.
Certa vez Marcos Arruda, estava participando de uma reunião sobre diferentes economias. Quando terminou a sua fala sobre Economia Solidária, uma das pessoas presentes fez uma observação que já havia ouvido várias vezes. Ela disse mais ou menos isto a ele: “Esta proposta que você acabou de desenhar aqui para nós é muito bonita. É muito interessante mesmo, e eu até acho que se ela pudesse ser aplicada no mundo inteiro, o mundo seria bem melhor. Mas ela só tem um problema: ela é uma economia irreal”.
Marcos Arruda respondeu a ela com outras perguntas: “Tudo bem”, mas se uma economia centrada em pessoas e não em coisas, em trocas justas e humanas e não no desejo do lucro, em relações equitativas, inclusivas, solidárias entre pessoas e povos e também sustentáveis entre nós e mundo em que vivemos é uma economia irreal e ilusória, então qual é a seu ver, uma economia real? O que você considera uma economia realista?
Será que ela é esta que nós estamos vivendo agora, em quase todo o mundo?  Esta que nós vivemos agora, aqui no Brasil? Seria esta economia em constante e crescente crise por toda a parte? Uma economia que torna pessoas mercadorias, para dar às mercadorias o valor que deveria ser dado aos seres humanos? Será esta? Seria esta economia da desigualdade, da troca sempre desigual e desumana? Uma economia da concentração crescente da pobreza e da exclusão. Seria essa? Uma economia sedenta de lucro, para a qual os que importam são os ganhos e a acumulação desenfreada do capital? Uma economia que classifica os seres humanos de acordo com a posição deles não na vida e na sociedade, mas no mercado? Essa é a sua “economia real?” Não sei o que o homem teria respondido ao Marcos Arruda, mas espero que as pessoas que buscam outros caminhos e que lerão este Almanaque tenham para as afirmações do homem ao Marcos Arruda e para as perguntas dele ao homem, boas e esperançosas respostas. E também outras boas perguntas.
E eu quero lembrar aqui também uma recente conversa com Daniel Tygel. Ele me contava há dias que algumas pessoas praticantes da Economia Solidária estão pensando em sugerir ao nosso governo a mudança do logotipo dele, que nos acostumamos a ver por toda a parte. Em vez da frase (já por si bastante sugestiva): “País rico é país sem pobreza”, poderíamos desenhar ali uma frase, acompanhada de outra: “País rico é país sem ricos” – “abaixo a desigualdade extrema”. Afinal, quem duvida de que um país rico deveria ser um país de gente feliz com o que tem e partilha, e não, com o que ganha e acumula.
Uma nação de fato “rica” talvez tenha como medida de sua “riqueza” não o conhecido PIB – Produto Interno Bruto (“bruto” aqui pode ser lido nos dois sentidos da palavra), mas a emergente FIB – Felicidade Interna Bruta, na qual o que vale e é computado não é o que “se produziu durante um ano”, mas “o que isso representa em termos de realização, de vida, de felicidade entre as pessoas produtoras e todas as outras”.
É chegado o momento de aprendermos juntos a repensar a perdurante relação pobreza/riqueza. Até aqui, negando isso ou não, ainda somos servos da lógica do mundo dos negócios ao pensarmos os termos de nossa própria qualidade de vida. Precisamos substituir essa imagem que também vem do “mundo do mercado” por outra. Gosto de chamá-la, por oposição, de vida de qualidade. Qualidade de vida indica geralmente o que “eu conquistei” e o “que eu tenho”. Vida de qualidade aponta para o que “eu partilho com outros” e o “sentido e o valor que dou ao que sou mais do que ao que apenas possuo”. Qualidade de vida é “a casa que eu construí ou comprei e agora possuo”. Qualidade de vida é “o valor e o sentido de vida e de partilha da vida que eu e as outras pessoas que vivem “na minha casa”, damos a ela. “Qualidade de vida no fim das contas é” o que fizeram de nós” (em geral de acordo com a mídia e o mercado). Vida de qualidade é “o que fazemos do que fizeram de nós”.
Em nome de nossos direitos humanos a um certo patamar de conforto que a tecnologia e o mercado nos prometem, muitas vezes nos dedicamos a lutar por “conquistar” um estilo de vida cujo padrão de consumo acaba sendo sempre superior ao das verdadeiras necessidades de uma vida humana digna e simples.
Ora, hoje em dia, ao longo do mundo inteiro, pessoas, famílias, movimentos sociais, comunidades, povos começaram a questionar o valor real de uma vida centrada no único caminho que o mercado do mundo dos negócios nos aponta: aquele que na volta nos conduz o produtivista e, na volta, o consumista.  Mas em todos os cantos do mundo começamos “de baixo para cima” e “da periferia para o centro”. E algo que nos desloca de dilemas, de apelos e de conquistas que escapam de uma “política dos outros”, para uma “ética de nós mesmos”.
Podemos adotar uma vida muito mais simples. Podemos viver escalas de consumo, de posse e de uso dos bens disponíveis, bastante menores do que os que nos são impostos, sem perda alguma de uma verdadeira substância de uma melhor vida de qualidade, que bem poderia ser o outro lado de uma obsessiva luta “de todos contra todos” por conquistar uma maior qualidade de vida. Devemos e podemos repensar bastante o sentido de nossas próprias escolhas. Não pensamos nunca em optar pela distribuição de uma desumana miséria nem de uma pobreza indesejável. Falemos com coragem de assumirmos uma vida simples e amorosamente compartilhada. Uma vida simples e solidária deveria orientar a nossa própria relação com o mundo do trabalho. De algum modo, o apelo antigo e atual no sentido de escolhermos estar com os despossuídos, com os excluídos e postos à margem, cujo número apenas aumenta aqui e por toda a parte, não deveria ser apenas uma distante opção política. Ele deve tender a ser uma escolha de nossa vida. Até quando “os ricos e privilegiados” serão apresentados a nós e aos nossos filhos como “um ideal a imitar”?
Não basta a disposição de consumir menos e possuir pouco. Tomada sozinha, essa escolha pode desaguar em uma espécie de renúncia individual e até egoísta. Apenas troco as minhas posses de materiais para espirituais. Mas, fechadas nos círculo de mim mesmo, elas acabam resolvendo - ou pretendendo resolver – os “meus problemas”. E tudo o que escrevo aqui conspira contra esses desejos solitários de “crescimento” espiritual desde que os outros não me atrapalhem.
Bem sabemos que um dos maiores desafios na escolha de uma vida pessoal e interativamente coerente com um projeto social de opções solidárias e de transformação da própria sociedade a partir delas está no fato de que, em boa medida, algumas motivações pessoais guiadas por preceitos de reciprocidade, de partilha e de igualdade e de justiça ficam restritas a apenas alguns grupos pequenos e a algumas cooperativas e comunidades. No entanto, esse é um passo importante na opção por uma vida simples e despojada, em favor da vida e em comunhão com os outros. Unir pessoas, aproximar experiências, expandir cooperativas e comunidades solidárias, criar redes, estender essas redes até que, a partir do meu bairro, um dia ela se some a outras para... “cobrir o mundo inteiro”.
Podemos pouco a pouco aprender a partilhar com os outros os nossos bens, os nossos serviços, os nossos talentos, as nossas vidas. Podemos tornar disponível o que possuímos e, assim, podemos passar do penoso possuir, reter e acumular – o modelo capitalista do mercado – para a experiência generosa do partilha, e trocar – o modelo solidarista da vida. Esses são passos que nos livram de carregar nas costas, sozinhos tudo o que temos e guardamos para nós, conforme aprendemos a sentir que “tudo isto’ apenas “passa por nós” e nos serve à medida que nos unimos aos outros e estendemos o que somos e possuímos a partilha da própria vida com os outros”. E essa é a semente da liberdade.
Na verdade, estamos ainda a tal ponto acostumados a viver e pensar entre os termos de uma economia de mercado – na qual tudo é pensado em termos de compra e venda e de ganhos e perdas – que a possibilidade não tanto de escaparmos do comércio e do mercado, mas de vivermos vidas centradas no ser das pessoas, e não ter das coisas, de vez em quando nos aparece uma vaga fantasia. Podemos nos lançar na criativa aventura de criarmos pequenas unidades de vida solidária que nada tenham de amadorismo ou de voluntarismo fantasioso. Ao contrário, elas poderiam ser o embrião de outra economia e, por decorrência, de outra forma de vida socialmente generosa e solidária. Algumas experiências de vida associativa e de unidades e redes de trocas de produtos ou de consumo solidário estendem-se por toda parte.
Por agora são os agricultores e os pequenos artesãos os que nos têm algo a ensinar, pois eles saíram na frente. Mas agora começamos a nos perguntar se não podemos estender a experiência de trocas recíprocas e solidárias a outras esferas de vida e de trabalho, até o momento em que toda uma vida social alternativa torne real a possibilidade de que venhamos a construir juntos, para habitarmos solidariamente, um “outro mundo possível”. Estamos trabalhando para construir em nós e sem toda parte cenários de vida de pessoas capazes de se assumirem como criadores de seu próprio mundo. Quanta alegria sentimos quando afinal conseguimos “construir a minha casa”? Qual não seria o nosso sentimento de realização se de fato conseguíssemos nos reconhecer construindo junto a muitas outras pessoas uma casa bastante maior do que a “minha”? Uma casa chamada... ”mundo”?
Algo apenas destinado a gerar algumas vidas mais “autênticas” dentro de um mundo de vida social e econômica que nega à imensa maioria das mulheres e dos homens uma existência de mínimos vitais.
Nossas escolhas não devem ser pensadas e vividas como uma ética dos bons propósitos. Devem ser vividas como disposições de escolhas de uma vida dirigida à participação em todo um projeto local, nacional e universal de criação de outras formas de viver. Devem ser destinadas a construir de fato um mundo regido por princípios bem distantes dos que regem a economia de mercado e a colonização mercantil da vida humana segundo os termos da globalização neoliberal.
 Vivemos tempos em que as causas e as frentes de luta e de esperança na construção do novo tornaram-se múltiplas, em alguns casos bastante movediças e em outros até mesmo efêmeras. Ainda que sejam, muitas as alternativas de participação corresponsável na construção do “outro mundo possível”, uma presença junto aos “marginalizados” e junto aos movimentos populares ainda é e seguirá sendo a fonte de um genuíno empoderamento dos outros movimentos emancipatórios. E a redefinição de vidas pessoais e interativas em termos de uma partilha solidária nos deveria impelir a um esforço para repensarmos a nossa própria inclusão na vida social.
Precisamos bem mais do que seguir vivendo nossas vocações profissionais inteiramente imersas na lógica e na rotina do mundo do mercado, reservando pequenas brechas de tempo e de energia (quando sobram) para algum tipo de participação em projetos de ação social transformadora. Isso é importante e de variadas maneiras envolve dimensões da vida de muitas e de muitos de nós.
Pois é toda uma coletiva vida, pessoal, profissional e de ação social que precisa ser repensada. E em tempos de privatização de quase todos os campos de trabalho e de uma progressiva colonização empresarial até mesmo de unidades de financiamento de ações sociais, ambientais e outras, como iniciativas da sociedade civil, é cada vez mais desafiadora a solução do dilema de como colocar o exercício de nossas profissões a serviço das maiorias excluídas, e não a serviço de minorias excludentes.
Este pequeno e precioso ALMANAQUE não pretende trazer receitas prontas. Não pretende apontar um único caminho. Entre os muitos caminhos à nossa escolha, ele aponta alternativas, sugere horizonte e, como um bom “guia de caminhada”, traz alguns preceitos e algumas ideias de práticas pessoais e, sobretudo, coletivas, em direção à descoberta de uma nova vida, através de outra economia.
Saibamos com ele descobrir e colocar no chão de nossas vidas algumas sementes de esperança. Depois, saibamos juntos cuidar do que venha a nascer de nosso esforço solidário. Até o momento em que, com a alegria de sentir partilhando a construção de uma nova vida, em um novo mundo, saibamos juntas e juntos colher o que semeamos.
Rosa dos Ventos
Começo do inverno de 2012
Carlos Rodrigues Brandão





                                                   CAIXAS DE TEXTOS
O termo foi criado pelo rei do Butão Jigme Singye Wangchuck, em 1972, em resposta a críticas que afirmavam que a economia do seu país crescia miseravelmente. Esta criação assinalou o seu compromisso de construir uma economia adaptada à cultura do país, baseada nos valores espirituais budistas. Assim como diversos outros valores morais, o conceito de Felicidade Interna Bruta é mais facilmente entendido a partir de comparações e exemplos do que definido especificamente.
Enquanto os modelos tradicionais de desenvolvimento têm como objetivo primordial o crescimento econômico, o conceito de FIB baseia-se no princípio de que o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana surge quando o desenvolvimento espiritual e o desenvolvimento material são simultâneos, assim se complementando e reforçando mutuamente.

NOVE CAMPOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E SOCIAL – FELICIDADE INTERNA BRUTA:
1. VIDA DE QUALIDADE – tem a ver com a necessidade materiais e a economia real;
2. BOA GOVERNANÇA – partilha do poder de decisões e de gestão da encomia e do desenvolvimento;
3. EDUCAÇÃO – de todos e todas;
4. SAÚDE – de todas e todos
5. RESILIÊNCIA ECOLÓGICA – capacidade de um ecossistema recuperar seu estado inicial depois que ações humanas o alteram;
6. DIVERSIDADE CULTURAL – unidade na diversidade;
7. VITALIDADE COMUNITÁRIA – unidade na diversidade;
8. USO EQUILIBRADO DO TEMPO – trabalho exterior e interior;
9. BEM-ESTAR PSICOLÓGICO E ESPIRITUAL
ESSAS SÃO CONDIÇÕES PARA O MAIS-SER (Fonte: palestra de Marcos Arruda – junho/12 –RJ)


 



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