O caminho para a democracia direta: entrevista com Pablo González Casanova (2ª parte) publicado no PASSAPALAVRA
Na atualidade não existe nenhum movimento visível que pretende tomar o poder. Isto não é uma casualidade, nem uma teoria. Se não pretendem tomar o poder, irão precisar de diálogos e comissões de intermediação para mudar o sistema político. Por Pablo González Casanova entrevistado por Claudio Albertani
Claudio Albertani (CA): Uma vez ou outra você tem indicado as falhas do corpus teórico conhecido como marxismo-leninismo. Quero perguntar qual sua opinião sobre as correntes dissidentes do socialismo e qual seria sua contribuição para o mundo atual.

CA: Quando e por quê?
PGC: Para mim a crise começou na América Latina com a Revolução Cubana. As pessoas não se deram conta do caráter universal da Revolução Cubana, somente de uma maneira muito pobre; contudo, a combinação de Marx e Martí não é uma forma de falar dos líderes da Revolução. É uma realidade. A Revolução Cubana não é a última revolução marxista-leninista. É a primeira de um novo tipo, e ainda que inserida neste novo tipo de revoluções, conserva formas doutrinárias, acrescenta um discurso em que a pedagogia política é muito forte, onde se ensina os trabalhadores, os camponeses e a população a pensar: que implicações tem tomar uma medida, ou que medidas devem ser tomadas se quiser atingir uma meta. Estas formas de raciocinar coincidem com as abordagens de Paulo Freire e sua pedagogia da libertação. A isto se soma outra novidade de importância enorme, que foi a famosa teologia da libertação. Dizem que a teologia da libertação já desapareceu. Eu creio mais é que a teologia da libertação se transformou na cultura da emancipação da América Latina, sendo neste momento muito mais fácil o diálogo entre nós que não somos crentes com os crentes e vice-versa.
CA: E o 68?

CA: Quais movimentos sociais te parecem mais significativos na atualidade?
PGC: Creio que as influências mais fortes que tenho agora vêm da Revolução Cubana e do movimento zapatista. A Revolução Cubana tem um significado universal que não temos percebido, insisto, e a que estamos dando pouca atenção. É o único triunfo que tivemos em cinquenta anos de derrotas. Mas não nos atrevemos a perguntar: “O que acontece em Cuba que resiste ao imperialismo mais agressivo do mundo?”. É preciso ter uma preocupação intelectual um pouco mais sólida… Na Europa e nos Estados Unidos, ou onde queira, são poucos aqueles que, como Noam Chomsky, apoiam este movimento. Algo muito semelhante ocorre com os povos indígenas da América Latina, e aqui não somente incluo o zapatismo, como também importantes setores da Conferência de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) e dos povos da Bolívia, que têm abordagens muito interessantes sobre as relações entre comunidades e governo nacional, problemas que são muito difíceis de resolver e onde eles conseguiram contribuições inovadoras, com outras forma de “viver bem”, sem explorar a humanidade e destruir a Mãe Terra.
CA: Quais são, no seu ponto de vista, as contribuições principais do movimento zapatista?

CA: Acredita que esta é uma questão conjuntural ou de longa duração?
PGC: Na atualidade não existe nenhum movimento visível que pretende tomar o poder. Nenhum. Então isto não é uma casualidade, nem uma teoria. Se não pretendem tomar o poder, irão precisar de diálogos e comissões de intermediação para mudar o sistema político, que neste momento é o que querem. E a experiência dos diálogos de San Andrés é precisamente essa. Foi uma experiência com muito êxito, pois conseguimos acordos firmados pelo governo e todos os partidos políticos. Tem mais, como lição universal: será necessário dialogar, e não é porque se dialoga que se perde a autonomia dos rebeldes, seu direito de focar nas demandas [reivindicações] imediatas ou fundamentais para continuar na luta política, ou que se abandonam os objetivos estratégicos e difíceis projetos de mudar o mundo. Os diálogos de San Andrés nos deram outra experiência. Em pouco tempo o próprio governo e partidos tradicionais que firmaram o acordo esqueceram-se do mesmo. A partir desta situação, é mais fácil explicar a posição que tomou o movimento zapatista de não participar da política eleitoral e fazer “outra campanha”. Sua negação em participar desta política eleitoral foi uma rejeição aberta ao sistema político, que não só havia traído os acordos firmados, mas cujos dirigentes – com poucas exceções – tinham contribuído com o endividamento externo, principal motor dos modelos de recolonização e sujeição neoliberal. Concordo que essa posição está agora a ser repetida em todo o mundo. De modo que se deve ver o zapatismo a partir de suas mensagens universais e das mensagens circunstanciais que se transformam em universais.
CA: Você considera que renunciar à tomada do poder é uma fraqueza ou uma força?

CA: Alguns autores, como Wallerstein, dizem que o imperialismo estadunidense está em declínio. Outros estabelecem uma comparação com a Roma de Júlio César. Para eles, os Estados Unidos apenas estariam em uma fase de transição da república para o império. De modo que, em vez do declínio, o imperialismo estaria se reforçando.
PGC: Esta tese de que o poder do imperialismo está em declínio tem circulado pelo mundo. Creio que este não é nosso problema. Inclusive nos desvia de nossos problemas verdadeiros. O nosso problema é que estamos vivendo o poder global do imperialismo estadunidense. Estamos vendo que o poder dos Estados Unidos no que diz respeito a bases militares é o maior do mundo. Estamos vendo que no Conselho de Segurança vota-se pela recolonização da Líbia para derrotar seu antigo colaborador Muhamar Gadafi. Já vimos isto inúmeras vezes no passado: o colonialismo apoia os povos em suas lutas contra seus ditadores, somente para colocar outros ditadores mais servis. É o que fazem os fuzileiros navais que conquistam os países da América Latina e outras partes do mundo sobre o lema de “Viva a liberdade!”. Me parece que estes são os problemas com que devemos nos preocupar. Eles indicam que o imperialismo coletivo dos Estados Unidos e Europa continua dominando atualmente, e entrou em um processo de recolonização do mundo e privação dos direito que tinha sido obrigado a conceder aos trabalhadores, numa correlação de forças que veio abaixo.
CA: Depois do entusiasmo que suscitou o surgimento dos movimentos contra a globalização neoliberal, parece que na atualidade nos encontramos numa crise.
PGC: Não vejo mais a crise. O ano de 2011 para mim foi muito importante, não só aparecendo novas características nos movimentos sociais. Há movimentações importantes no mundo árabe, Islândia, Grécia, França, Wisconsin, Espanha… surge a maravilhosa palavra dos indignados. Outra vez aparece a luta pela democracia como poder do povo. E aparece com muita força. Não aparece tanto a palavra socialismo nem libertação. Fala-se de democracia, e estão chamando de democracia direta. Acredito que esta é a verdadeira democracia, a que pode levar ao socialismo, a outro socialismo.
CA: E no México?

CA: Por último quero perguntar sobre seu livro mais recente, As novas ciências e as humanidades: da academia à política.

CA: Que relevância isto tudo tem para os movimentos sociais?
PGC: O que vemos é como o capitalismo corporativo domina o mundo usando um conjunto de técnicas pelas quais se encontram aspectos ideológicos… e tecnológicos que é necessário conhecer. O capitalismo se apresenta como um sistema que corresponde à natureza humana, em que cada indivíduo assegura seu próprio interesse. Muitas de suas investigações científicas demonstram o contrário. Atualmente existem sistemas solidários e sistemas cooperativos que esboçam possibilidades distintas do darwinismo político, quero dizer, diferentes da ideologia segundo a qual o ser humano é por natureza egoísta e as espécies mais fortes se impõem sobre as espécies mais fracas. Mas, para além das ideologias, existe uma realidade inegável. Vivemos no capitalismo mais organizado da história, e nele, a luta de classes, a luta pela independência, pela democracia direta e pela liberdade, são lutas entre sistemas de organizações opressoras e emancipadoras. Temos que afrontar os novos problemas de emancipação com e contra várias técnicas que as corporações e seus complexos usam para a dominação e acumulação. Temos que conhecê-las, e em alguns casos, adaptá-las e articulá-las com aquelas que correspondem ao imenso saber da população e daqueles que lançaram sua sorte com eles.
Tepoztlán, Morelos, 4 de setembro de 2011.
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