Ao ocupar um imóvel que não acrescentava nada para a sociedade, nos ocupamos em atender a nossa dignidade, a de ter um teto. No lugar de sobreviver na brutalidade de uma sociedade que parece ter se acostumado com a miséria, nós acreditamos na possibilidade de uma sociedade mais digna, e para que assim seja, depende de nossos esforços, onde já começamos; para nós, o povo pobre e trabalhador, a miséria não é algo com que se pode acostumar, é necessário combatê-la.
Aprendemos neste tempo que a covardia dos oprimidos é o alimento dos poderosos, e a coragem é a qualidade daquele e daquela que deseja ser livre. Por isso, não aceitamos o despejo das Comunidades Camilo Torres, Irmã Dorothy e Dandara, que são o nosso lar, as nossas comunidade, o nosso sonho.
Os despejos não são apenas a destruição milhares de casas; significam jogar na rua 1.159 famílias; significam condenar ao relento, centenas de crianças; significa destruir a nossa participação política – comunitária, organizadas em grupos que se reúnem semanalmente; significa deixar de realizar nossas Assembléias onde decidimos cada detalhe de nossa vida comunitária; significa acabar com os grupos de educação, de mulheres, de saúde comunitária e de jovens; significa demolir nosso centro comunitário, e junto com ele, demolir nossa alegria; enfim, significa tirar de nós aquilo que temos de melhor.
Realizamos duas marchas, de mais de 20 km, e ocupamos o centro de Belo Horizonte por 1 semana; solicitamos inúmeras vezes reuniões com os Prefeito de Belo Horizonte e o Governador de Minas Gerais para negociar pacificamente, de forma digna e sem a imposição do conflito aberto como solução, porém nunca fomos recebidos. Nunca nos recusamos a dialogar, a procurar alternativas para nossa situação, porque acreditamos no entendimento, no acordo feito com maturidade e sem extremismos de nenhum tipo.
Porém o Prefeito de BH, Márcio Lacerda, e o Governador de Minas, Antônio Anastasia, não possuem a mesma maturidade e o mesmo espírito democrático: não querem negociar, não querem nos enxergar de frente e conversar de forma madura e responsável. É de causar pena estarmos submetidos a tais desmandos, todo o povo de Belo Horizonte e de Minas, governados por pessoas com este tipo de postura política e de caráter.
Nós existimos, somos muitos e lutaremos para continuar existindo. Sabemos que a
dignidade tem seu valor. Para os donos do poder, o valor da dignidade tem preço, pode ser convertido em dinheiro, em privilégios, em apoios financeiros para campanhas milionárias, entre outras possibilidades. Para nós, a dignidade é um valor que não tem preço, porque acreditamos ser ela uma necessidade, não um luxo. Nós somos as Comunidades Camilo Torres, Irmã Dorothy e Dandara, somos o povo sem-teto organizado nas Brigadas Populares. Somos aqueles e aquelas que transformamos nossa existência num ato em favor da dignidade. Aqueles que tentam nos massacrar, não querem apenas despejar 1.159 famílias sem-casa, querem despejar a dignidade, querem despejar os que não se curvam à pobreza e à riqueza, querem despejar um “inimigo interno”, uma voz que destoa. Eles desejam o fim das Comunidades Camilo Torres, Irmã Dorothy e Dandara, assim como o Estado Brasileiro fez com o Quilombo dos Palmares (onde Dandara, companheira de Zumbi, viveu e lutou), assim como foi feito em Canudos, em Sonho Real e em vários outros lugares e momentos da história deste país. Lutamos por nossas necessidades: moradia, dignidade, liberdade. Porém, a Prefeitura de Belo Horizonte e o Governo de Minas, querem acabar com as necessidades populares eliminando os necessitados e necessitadas.
Ocupamos terrenos abandonados, alguns deles com mais de 30 anos sem destinação alguma, objetos da especulação imobiliária: cheio de impostos não pagos, cheio de nada. Há anos estamos preenchendo estes terrenos com alguma coisa que vale a pena lutar, estamos construindo nossas casas com o produto do nosso trabalho, a única coisa que temos além de nossa vida e de nossos sonhos, e só com o nosso esforço da nossa luta alcançaremos. Ao construir nossas casas estamos construindo muitas outras coisas, estamos construindo uma comunidade, estamos construindo nossa dignidade, estamos nos construindo.
reproduzido do blog da Ocupação Dandara (onde estarei dando Oficinas de Tintas à base de terra - 3 e 4 de setembro - 9h e 14 hs.)

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